Secretário regional do Equipamento Social, Santos Costa, perfilha o aproveitamento dos inertes depositados na marginal funchalense para a ampliação da zona de lazer e requalificação da área portuária
JM – A zona do Dolce Vita é uma das áreas mais problemáticas. Aquela rotunda vai ou não reabrir?
S. C. - Eu não queria antecipar nada em relação àquela zona. Neste momento, os acessos estão abertos. É possível circular, através de um dos túneis de acesso à Avenida Francisco Sá Carneiro, em dois sentidos. O túnel mais pequeno, que foi mais afectado, está a ser reparado e estamos a trabalhar para que seja reposto o mais breve possível.
É uma zona com limitações, mas é possível aceder ao Dolce Vita a partir da Sá Carneiro e da Rotunda do Infante. É uma acessibilidade mitigada, mas é possível. E permite garantir condições mínimas, inclusive para permitir o acesso viário aos parques do centro comercial Dolce Vita, logo que os mesmos estejam limpos.
Em termos de futuro, temos de olhar bem para aquela zona. Temos de tentar colher a lição que o aluvião nos transmitiu e ver que tipo de solução vamos encontrar para ali, primeiro em termos de ribeira, que é, para mim, o facto essencial para o qual temos de olhar e que vai condicionar todas as soluções de carácter viário que tenhamos de implementar naquela zona. Vamos ter que olhar para ali com muita atenção, para encontrarmos a solução mais apropriada.
Neste momento, a nossa prioridade têm sido as operações de limpeza e desassoreamento e ainda responder às necessidades imediatas. Concluídos esses trabalhos, vamos começar a trabalhar numa solução definitiva.
JM – Quando é que voltarão a haver duas faixas em cada sentido ao longo das ribeiras?
S. C. - No caso da ribeira de São João, na zona da Dolce Vita, penso que isso irá demorar mais tempo. A cobertura da ribeira teve de ser desfeita para se poder aceder à mesma e desobstruí-la. E isso levou o seu tempo. Agora, entendo que não devemos, para já, repô-la, porque acho que se deve estudar uma solução diferente para aquela zona.
No que se refere às outras duas ribeiras do Funchal, a situação é diferente. No caso da ribeira de Santa Luzia, a circulação já se faz. Na ribeira de João Gomes, na margem esquerda a situação está quase normalizada, com um ou outro constrangimento, mas a margem direita, sobretudo a Rua do Anadia, não a tem, porque há problemas de esgotos a resolver e ainda vai levar algum tempo. Estamos a trabalhar depressa, mas ainda vai durar algum tempo, porque está-se a colocar um novo ramal de esgoto entre o Campo da Barca e a foz.
Está-se ainda a reconstruir, para cima do Campo da Barca, o aqueduto da Pena, o que faz com que se utilize a estrada antiga para fazer o sentido ascendente, mas dentro de pouco tempo estaremos em condições de restabelecer o trânsito, embora ainda com limitações derivadas dos trabalhos, que vêm de antes do temporal, no talude sobranceiro ao túnel de acesso, a partir da ribeira de João Gomes, à via rápida.
JM – Dentro de dois anos estará tudo ok, como diz o senhor presidente do Governo?
S. C. - Nós estamos preparados para isso. Haja os meios de ajuda para se poder cumprir esse objectivo. É essa a nossa vontade.
JM – Muitas pessoas de fora da Madeira, incluso jornalistas, mostraram-se surpreendidas pela forma célere como decorreram os trabalhos de limpeza?
S. C. - É um facto que nos orgulha. Eu gostaria de aproveitar para destacar a ajuda prestada por um conjunto de empresas que trabalham na Região, que puseram os seus equipamentos, pessoal e maquinaria à disposição e em condições de trabalhar logo no próprio sábado, para repor a normalidade. De facto, se o Governo Regional não tivesse lançado, ao longo destes anos, todo este conjunto de infra-estruturas e que permitiu a existência de todo este equipamento pesado adequado às tarefas, não seria possível realizar as operações de limpeza tão rapidamente.
Quero agradecer, uma vez mais, publicamente, a participação dessas empresas neste esforço. Foi com elas e por causa delas que a gente conseguiu, em tão pouco tempo, uma limpeza tão significativa.
Um agradecimento para as empresas maiores, mas também às empresas mais pequenas, com menos meios, mas que também os disponibilizaram, o que nos permitiu abrir outras frentes de trabalho, porque o trabalho não foi só no Funchal ou na Serra de Água. O esforço foi muito maior no Funchal, porque havia de trabalhar no duro para que a situação não voltasse a acontecer, e ainda havia as zonas altas da cidade. Mas, no Curral das Freiras, zonas altas de Câmara de Lobos, Santa Cruz, Machico, Ponta do Sol, Ribeira Brava e Calheta, também houve que intervir fortemente. E esta situação acabou por revelar uma disposição e uma capacidade notáveis instaladas na Região para fazer face a este tipo de acontecimentos.
Eu queria agradecer, a essas empresas e aos seus trabalhadores, o notável trabalho feito, que nos permitiu cumprir em tão pouco tempo uma tarefa tão gigantesca.
Só no Funchal, foram cerca de 100 mil metros cúbicos de material que se retirou das ribeiras e que se depositaram junto à marginal, representando grosso modo cerca de dez mil camiões de material transportado em tão pouco tempo. Isto, de facto, é revelador. Dá uma dimensão do esforço que as empresas fizeram.
Também quero aqui realçar o trabalho dos técnicos e demais funcionários da SRES e de outros departamentos do Governo Regional. Foi noite e dia. E para mim isso é muito gratificante, saber que podemos contar com gente deste quilate.
JM – O que vai acontecer agora a esse material depositado junto à Avenida do Mar?
S. C. - Neste momento, até agora, são apenas ideias que vão surgindo em catadupa. Voltar a transportar dali para fora todo aquele material que ali está, pôr dez mil camiões a circular no Funchal, para levar todo aquele material, parece-me uma violência muito grande, para além do custo que isso representaria.
Por isso, ocorreu-nos que poder-se-ia, dada a boa qualidade do material, deixá-lo ali ficar e aproveitar para se fazer um novo ordenamento urbanístico e portuário, ligando as duas coisas, ampliando a área de lazer marginal da cidade e promovendo a reconstrução da zona portuária, possivelmente alargando a capacidade de acostagem de navios de cruzeiro, estabelecendo uma ligação muito maior entre os cruzeiros e a cidade, eventualmente ampliando e reconstruindo a zona da marina, reorganizando as actividades marítimo-turísticas.
Criando novas zonas de restauração, sem ir para edificação. Todo esse conjunto de possibilidades tem de ser encarado, até porque já está ali aquele material, que já forma uma plataforma e que faria com que os custos daqueles projectos fossem bem menores.
Mas, isto são apenas ideias, que têm de ser consolidadas, concertadas e pesados os prós e os contras. Mas, é uma boa possibilidade, é perfeitamente possível.
JM – Algumas pessoas tentaram culpabilizar o Governo e as obras realizadas pelo que aconteceu...
S. C. - O que nós podemos dizer é que aquilo que nos aconteceu, em termos de temporal, foi a todos os títulos excepcional. Face às descrições de antigos aluviões que afectaram a nossa terra, eu compararia o que se passou agora com aquilo que se passou em 1803, quando morreram cerca de 600 pessoas na Madeira e nessa altura havia menos gente e as ribeiras não estavam canalizadas.
Significa que durante estes duzentos anos nós continuámos a construir. Não foi tudo perfeito, não terá sido tudo certamente. Mas, de um modo geral, a resposta que as infra-estruturas, as ribeiras, as acessibilidades, os atravessamentos dos cursos de água, de um modo geral portaram-se bem.
Penso, pois, que não se pode responsabilizar este Governo, quer outros governos anteriores, quer ainda responsáveis do passado, pelo que foi feito. Pode haver uma ou outra situação onde se poderia ter feito de outra forma, que se poderia encaminhar as soluções de outra maneira, mas de um modo geral aquilo que os madeirenses responsáveis madeirenses fizeram, ao longo dos tempos, foi adaptar o seu crescimento e a sua vontade de desenvolvimento à realidade que é a nossa ilha e fizeram-no da forma mais adequada possível para que fosse possível aqui viver com um mínimo de segurança e qualidade.
Acho que, neste aspecto, não podem ser acusados os governantes, quer os do passado quer os do presente, de serem irresponsáveis ou de responsabilidade perante o que aconteceu. Foi a Natureza a funcionar.
JM – As canalizações da ribeira é uma opção para continuar...
S. C. - É evidente que a partir da altura que as opções urbanísticas foram no sentido de canalizar os cursos de água, para permitir a ocupação das suas margens, dada a exiguidade do nosso território, mas também por razões de segurança, mas esta não é uma situação nova, mas já em 1803 foi a solução que foi encontrada após o aluvião para disciplinar os cursos de água.
JM – A canalização vai continuar para montante?
S. C. - Nós vamos ver quais as zonas que carecem de protecção e de intervenção e vamos ter de intervir. Não queria estar aqui a dizer que vamos canalizar aqui ou acolá. Vamos ver os pontos onde aconteceu, porquê é que aconteceu... E vamos propor, nesta tarefa de reconstrução, a criação de açudes (pequenas barragens) nas zonas de montante das ribeiras, para reter o material sólido, evitando que ele chegue as zonas terminais das ribeiras.
JM – Os estudos apontam para que as derrocadas tiveram início mesmo nos sopés das montanhas, nas zonas de cabeceira das ribeiras?
S. C. - Temos fotografias aéreas que demonstram isso. O material que chegou cá baixo teve origem nas encostas junto às cabeceiras das ribeiras, que foi se desprendendo e que veio alimentar o caudal. Foi todo esse material que veio por aí abaixo. Muito foi ficando pelo caminho, naturalmente, mas grande parte veio ter cá baixo e isso é que teve o efeito que teve nas zonas terminais.
JM – Que soluções para evitar, ou pelo menos, minorizar o impacto?
S. C. - Reflorestar, em primeiro lugar. É uma tarefa que o Governo vem realizando desde há largos anos e que é fundamentar para permitir a consolidação do solo e evitar que a água escorra directamente quando cai e que se infiltre primeiro.
Para além da reflorestação, dever-se-á apostar na construção dos açudes, para evitar que o material se deposite ao longo dos vários cursos de água e venham desembocar nos cursos de água maiores, com as consequências que agora sentimos. As soluções passam por aí e depois ver as zonas onde a ribeira está canalizada, onde não está canalizada, e ainda ver os atravessamentos que foram feitos para arruamentos e outras finalidades. Serão situações para analisar uma a uma, ver se de facto a secção que ali está, e que são secções que são compostas ao longo dos anos, como é o caso da ribeira de São João, na zona do Infante (tudo aquilo tem uma história longa, começou com uma ponte de São Lázaro, em arco, depois evoluiu e fez-se a Avenida do Mar, depois fez.-se a avenida e a rotunda do Infante, construção, estruturas que foram cobrindo a ribeira naquela zona), mas também noutras ribeiras há várias pontes que foram executadas ao longo dos tempos e que são pontes singulares, onde o seu material pode ser um obstáculo à passagem.
JM – Será feita uma análise de todos esses casos?
S. C. - Está a ser feita toda a análise de cada uma dessas situações, mormente na Avenida do Mar, onde também existe uma zona muito importante de cobertura. Provavelmente, vamos ter que, nessas zonas, subir essas pontes e baixar os leitos, para permitir uma outra capacidade de vazão das ribeiras. É um assunto que já está a ser estudado, neste momento. Estamos a analisar, a fazer o levantamento de todas essas situações, para depois podermos tomar decisões sobre essas matérias.
JM – Quando é que serão tomadas essas decisões?
S. C. - Este é um processo sequencial. Estamos a trabalhar na limpeza, estamos a fazer uma valiação de prejuízos e tendo em conta as potenciais soluções quais serão os seus custos, temos técnicos a acompanhar as casas que foram atingidas, para verem se têm condições para as que as pessoas regressem às mesmas, temos toda a gente empenhada nestas tarefas.
Enfim, estamos também já a pensar em todas as situações que já referi. Estamos a amadurecer ideias para que possamos, logo de seguida, iniciar as tarefas de reconstrução, logo que tenhamos os meios ao nosso dispor.
JM – Isto vai obrigar, logicamente, a uma reprogramação das obras?
S. C. - Necessariamente. Não faz sentido termos estas tarefas para fazer e estarmos a iniciar obra nova. Aliás, o senhor presidente já o afirmou. Para além das obras que estão em curso, que vão continuar, que são contratos estão em execução, sejam edifícios, estradas, etc. Mas, aquilo que não se iniciou não será iniciado sem que dediquemos primeiro a nossa atenção a esta tarefa de reconstrução, que é prioritária: reconstrução das infra-estruturas, alojamento das pessoas que ficaram desalojadas e recuperação do tecido económico que ficou afectado por estes temporais. São estas três as tarefas fundamentais, já definidas e priorizadas
JM – Há ainda levantamentos que estão a ser feito junto de edifícios públicos?
S. C. - As instituições estão todas a ver se os edifícios ficaram afectados, embora me pareça que por aí não possam haver grandes surpresas. Mas, de qualquer forma é um trabalho que tem de ser feito.
JM – Que palavra pode deixar aos madeirenses?
S. C. - Uma palavra de trabalho e de esperança. Nos momentos difíceis nós temos de saber colher as lições e aproveitar a oportunidade que é obrigarmos a olhar para a realidfade, para o negativo e partir dessa observação para o positivo. É uma palvra de arregaçar as mangas e vamos enfrentar isto que nos aconteceu com esperança, com alegria até e continuar aqui a construir a Madeira.
Jornal da Madeira
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