quinta-feira, 25 de março de 2010

Deslocar redes para locais seguros

Temos cerca de 300 radioamadores que têm um papel fulcral em caso de catástrofe
Data: 25-03-2010






O temporal de 20 de Fevereiro foi um teste à capacidade de resposta dos vários serviços de telecomunicações. As falhas multiplicaram-se por várias redes, vários suportes e vários serviços. Até o 112 claudicou temporariamente.

A rede que melhor se aguentou foi a da 'Vodafone' porque estava suportada 'em cima' de uma rede de fibras ópticas da empresa 'Electricidade da Madeira' que passa essencialmente na rede de postes de média e alta tensão de toda a ilha. Nos primeiros momentos, a 'Vodafone' foi a única a ligar o norte da ilha ao sul e às comunidades madeirenses espalhadas pelo mundo.

O que falhou? O que é preciso melhorar? Desde logo não colocar redes em locais de risco.

O temporal é imprevisível e nenhuma rede pode gabar-se. Se desta vez resistiu esta, amanhã pode ser outra, consoante as causas, os locais e a dimensão da catástrofe. Não há imunidade total contra catástrofes.

Ao DIÁRIO, Nelson Melim, da ANACOM-Madeira (entidade licenciadora, reguladora e fiscalizadora dos vários serviços de telecomunicações) disse que, globalmente, os operadores de telecomunicações responderam positivamente à intempérie.

Compete à ANACOM a gestão do espectro radioeléctrico (à excepção da 'fatia' gerida pelos militares). Concretamente no temporal, disse que a ANACOM retira a lição de que todas as redes de telecomunicações podem ser melhoradas "com mais redundância". O que sugere é que se estudem novos locais de atravessamento de linhas de água por parte de fibra óptica. Por exemplo, que se aproveite toda a extensão das condutas da via rápida para se lançar uma rede alternativa/mais segura.

Não ignora que a Madeira é esplendorosa mas a sua orografia, com vales profundos e montanhas muito altas coloca inúmeros problemas de telecomunicações. A resposta tem de ser casuística e não se compadece com apenas uma rede hertziana que implicaria muitas estações para replicar o sinal.

Nelson Melim revela que, em caso de catástrofe, todos os meios são importantes, desde os rádio-amadores, o 'Global System for Mobile Communications' (GSM), o 'Multichannel Television Sound' (MTS) aos meios electrónicos, à rádio e à televisão. É claro que todos estes suportes tecnológicos têm infra-estruturas físicas no terreno e, a 20 de Fevereiro, as que atravessavam pontes que ruíram sofreram danos.

Só há duas maneiras de passar cabos de fibra óptica, ou por via aérea ou subterrânea. Esta última revela-se a melhor opção em termos de impacte visual mas tem a contingência de poder sofrer com água em excesso e com enxurradas.

Nelson Melim elogiou o trabalho meritório feito pela PT "a todos os níveis". A 'task force' com 200 homens e os meios vindos de Lisboa no dia seguinte são prova disso. E a opção de, quebrada a rede física, socorrer-se da hertziana (sem fios) revelou-se a mais adequada. Sobre a resposta do SICOSEDMA (ver peça na página ao lado), disse que a rede de comunicações, emergência e defesa ('Trunking' digital na faixa dos 300 mega-hertz), tem inúmeras possibilidades. Tal rede permite multi-utilizadores e comunicações móveis "com grande fiabilidade e inteligibilidade" e "o Serviço Regional de Protecção Civil deu uma excelente resposta".

Sobre o incremento, reforço, melhoria das comunicações militares na Região (anúncio feito na deslocação do ministro da defesa à Madeira no pós-temporal), Nelson Melim escusou-se a se intrometer nessa área embora reconheça que se os militares tiverem boas comunicações é toda a sociedade civil que ganha.

Sobre a necessidade de ponderar mais um cabo submarino que não apenas o da Praia Formosa (cordão umbilical que nos liga ao mundo a que estamos reféns), Nelson Melim disse que a actual 'rede CAM' (Continente, Açores, Madeira) é suficiente porque faz uma ligação "em anel" entre as três regiões.

A importância de ter em casa um rádio de pilhas

Em plena era digital, o temporal revelou a necessidade de coisas simples como ter em casa um rádio de pilhas. O que, embora a rádio seja um meio unidireccional, se revela fundamental em caso de falha de energia eléctrica.

É também importante as famílias terem alternativas de comunicação (rede fixa e cartões de telemóveis de várias redes) e mesmo coisas básicas como um 'walkie talkie' ou ter noções básicas de 'código morse'. E até serviços especiais tipo 'tele-alarme', outras linhas SOS, 'destino fixo' ou 'audioconferência', ou um simples cartão telefónico para cabines públicas.

É também importante os operadores terem várias alternativas de suporte (linhas analógicas, RDIS, fibra óptica, feixes hertzianos, ADSL, etc.).

Há que ter cuidado para não implantar antenas (de transmissão e retransmissão de sinal) em locais de risco. O temporal alertou também para o risco de serviços 'triple play' ou 'quadrupole play' associados à mesma plataforma (rede fixa+ internet +TV-Cabo). Para a necessidade de mais telefones satélite (opção cara mas crucial para serviços de socorro e emergência).

Compromisso da 'PT' com a Madeira dura todo o ano

A 'Portugal Telecom' (PT) 'atacou' a intempérie de 20 de Fevereiro com uma 'task force' de 200 técnicos e material vindo do continente no dia seguinte. Recorreu-se a feixes hertzianos para garantir a redundância dos suportes físicos. Em 24 horas 80% das comunicações da infra-estrutura base afectadas já estavam repostas e dois dias depois estava reposta a normalidade.

Segundo fonte oficial da PT, o investimento do grupo na sua rede, quer no seu reforço e modernização, quer na sua manutenção "é feito de forma permanente e criteriosa ao longo de todo o ano". Na Madeira fizeram-se investimentos no lançamento e implementação da rede de fibra óptica e oferta de TV inovadora com o 'Meo' ou o desenvolvimento, ao longo dos últimos 15 anos, da TMN.

"O compromisso da PT para com a Madeira, traduz-se não só no investimento em tecnologia e na rede de telecomunicações, mas também através do seu contributo para o desenvolvimento sócio-económico da região, com a recente abertura do novo Centro de Relacionamento com Clientes (com capacidade para criar até 200 postos de trabalho) ou com a inauguração do estúdio de Telepresença", revela.

Lições: 'Zon': Reforçar a redundância de suportes

O director-geral da 'Zon Madeira', Ricardo Cardoso considera que a empresa que conta com cerca de 30 mil clientes respondeu bem à intempérie de 20 de Fevereiro. Tirando a ruptura mais grave de cabos de fibra óptica (ponte do Campo da Barca) e uma ou outra situações pontuais, a resposta foi à altura e na noite da quarta-feira seguinte ao temporal todos os serviços estavam operacionais. Lembra que nas condutas subterrâneas, a 'Zon' já utiliza um cabo "muito bem isolado" que só mesmo em caso de dilúvio a água/inundações o danifica.

Se há lição a retirar ela prende-se com a necessidade de reforçar a redundância dos suportes físicos por forma a haver alternativas quando um deles falha. Sendo que nem é preciso um grande investimento financeiro para enveredar por aí. E, se necessário for, recorrer a redes de outros operadores. "Redundância de suportes, não só ao nível dos percursos como da tecnologia utilizada", disse.

Ricardo Cardoso disse que a 'Zon' tem os seus cabos no terreno mas vive também com a contingência de estar "em cima" da rede de fibra óptica da PT. Se falha a PT (cabo partido) falha a 'Zon' (rede alugada à PT). Ainda assim, a 'Zon' tem, ela própria, infra-estruturas no terreno (aéreas e subterrâneas) pelo que, em caso de ruptura, é tecnicamente mais fácil repor as ligações. Residualmente, nalgumas zonas, a 'Zon' também utiliza a via hertziana (torres com antenas de retransmissão). "Como existem menos, a probabilidade de elas sofrerem um acidente é menor", disse.

Sobre a rede de fibra óptica, a arquitectura da rede da 'Zon' "é mais fácil comparada com as redes convencionais de telecomunicações". E explica porquê. Porque com um só cabo distribui sinal e vários serviços para muitas casas. "É uma rede robusta em termos de arquitectura funcional", disse.

Ricardo Cardoso minimizou o facto de ter vários serviços acoplados (TV-Cabo, internet, telefone). "Se há ruptura falham todos mas quando repomos também são todos repostos ao mesmo tempo", rematou.

Temporal pôs a nu fragilidades do SICOSEDMA

O temporal pôs a nu as fragilidades do Sistema Integrado de Comunicações de Segurança, Emergência e Defesa da Madeira (SICOSEDMA). O sistema começou a operar em finais de 2006 e reuniu parceiros como o Serviço Regional de Protecção Civil e Bombeiros (SRPCB), a PSP, a Polícia Florestal e os Ministérios da Defesa e da Administração Interna. Trata-se de uma rede de comunicações de tecnologia digital partilhada que substituiu o sistema analógico entretanto desactivado. Foi testado em alguns simulacros de catástrofe como nos aeroportos da Madeira (Nov. 2007) e Porto Santo (Nov. 2006) e no túnel da Ribeira Brava (Fev. 2007) mas o grande teste real foi a 20 de Fevereiro último.

Mas a catástrofe também atingiu o SICOSEDMA sobretudo em parte do dia 20 e parte do dia 21 de Fevereiro. O sistema partilhado deixou de funcionar porque assenta(va) na rede de fibra óptica da PT e, como se sabe, parte desses cabos quebraram. Houve uma incapacidade de chegar informação ao 'cérebro' (MSO) do SICOSEDMA que funciona no Comando Operacional da Madeira. Passou então a funcionar apenas o sistema de comunicações locais entre agentes de protecção civil, sem a coordenação que o MSO permite. As corporações de bombeiros utilizaram então o Módulo Local de Comunicação entre si.

A esta distância, Luís Neri disse que não pode falar pelos outros utilizadores do SICOSEDMA mas que, da parte do SRPCB, retira-se a conclusão de que é preciso apostar na redundância de suportes. Ou seja, numa alternativa de comunicações (embora menos sofisticada do que o SICOSEDMA) mas que permita as comunicações quando este falhe ou haja congestionamento.

"O que tem de ser melhorado e equacionado por quem está a superintender o SICOSEDMA é a necessidade de uma redundância, um método alternativo de nós não ficarmos limitados. É uma questão que temos de ponderar, embora isso tenha custos e é preciso pensar se é ou não viável", disse.

Refira-se que o protocolo referente ao SICOSEDMA foi assinado com a Defesa, no Funchal, a 11 de Agosto de 2006. Posteriormente foi criada uma comissão tripartida de gestão e segurança. O SICOSEDMA é a materialização na Região da filosofia subjacente ao Sistema Integrado das Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP).

A último reunião relativa ao SICOSEDMA foi um mês antes do temporal, com a vinda cá de Diniz da Costa e de Carlos Machado, representantes, respectivamente, das 'Forças Armadas' e gestor da unidade de missão para o SIRESP.


DN Madeira

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