Temporal de 20 de Fevereiro causou prejuízos que ascendem a 14 milhões de euros no sector, incluindo o abastecimento público em alta e o regadio agrícola; Pimenta de França diz que as obras em curso estarão concluídas num prazo de 90 dias
Jornal da Madeira – Já estão totalmente contabilizados os estragos causados pelo temporal de 20 de Fevereiro?
Pimenta de França – Temos de separar isso em duas áreas: a do abastecimento público e a do regadio agrícola. Imediatamente após o temporal houve grandes zonas urbanas afectadas com falta de água, algumas de maior gravidade, pela sua extensão, outras de menor em termos de extensão, mas naturalmente importantes.
As medidas imediatas encetadas por esta empresa foram no sentido de colocar alguma água às populações, sem pensar exactamente nos custos, nas causas e nas consequências. Nós entendemos no momento que perdemos sistemas, condutas, origens de água. Não nos preocupámos em repor essas mesmas origens de água e fomos logo atrás de origens alternativas, porque afigurava-se a melhor solução naquele momento. Passada essa fase inicial, assim que garantida minimamente a quantidade de água às populações, com alguma qualidade, passámos à fase da quantificação dos custos.
JM – E a água já está garantida minimamente às populações?
PF – Neste momento não falta água a ninguém. A própria água que foi colocada sob o ponto de vista precário – água bruta, não tratada – tem quase uma qualidade assegurada, porque ela apesar de não ter sistemas de tratamento complexo, tal como os implementados na maioria dos sistemas da Madeira, esses sistemas precários têm sistemas de desinfecção. Portanto, as águas podem não atender a todos os parâmetros de controlo da qualidade da água, que são muitos, mas atendem à maioria e são águas que de certa forma não estão contaminadas. Neste momento, toda a população da ilha da Madeira tem água e uma pequena parte da população ainda recorre a sistemas precários.
JM – Onde se situam esses sistemas?
PF – Esses sistemas precários estão instalados parte deles no concelho da Ponta do Sol e parte no concelho da Ribeira Brava. Tudo o resto ficou resolvido praticamente após a primeira semana daquela ocorrência.
JM – Como é a água que é recebida nestes locais? Ainda não é potável?
PF – Nos termos da lei, não é potável, mas, na prática, ela atende à qualidade da água para consumo humano. A lei é muito clara naquilo que é a água para consumo humano. Define muitos parâmetros de controlo da qualidade. São à volta de 50 a 60 parâmetros, alguns deles importantes, outros menos importantes. Nos menos importantes, em termos de impacto sobre a saúde pública, há alguns parâmetros que não estão a ser atendidos, como é o caso da turvação. Para a água ser completamente clarificada tem de passar por sistemas de tratamento para que saia transparente. Esses sistemas de tratamento ou de filtragem não estão implementados e, portanto, a água sai com alguma cor. A cor não mata ninguém. O problema seria, por exemplo, as águas terem cargas microbiológicas ou matérias fecais ou orgânicas, que não é o caso.
Portanto, as águas, apesar de não serem consideradas potáveis, têm qualidade para serem consumidas. Mesmo assim, não posso deixar de aconselhar para a tomada de alguns cuidados adicionais no consumo dessas águas. Aconselho ainda hoje as pessoas que moram na Ponta do Sol e são abastecidas pelo reservatório do Jangão, ou as que moram na Ribeira Brava e são abastecidas pelo reservatório dos Zimbreiros e pelo da Apresentação ainda a ferver essa água para consumo.
Qualidade reposta
a 10 de Abril
JM – Quando é que essa qualidade estará restabelecida?
PF – No dia 10 de Abril, em princípio, os problemas estarão resolvidos nestes dois concelhos. Aquelas obras que irão assegurar a potabilidade da água nas zonas que neste momento estão a ser servidas com águas de menor qualidade estarão concluídas a 10 de Abril.
Quanto aos restantes concelhos, os problemas ficaram resolvidos ao final de uma semana, já sob o ponto de vista definitivo, com água de qualidade.
Mas os sistemas de abastecimento de água em alta sofreram bastante com esta intempérie, sobretudo aquilo que estava instalado ou junto a linhas de água ou no atravessamento das linhas de água. Os danos foram muito significativos ao nível de condutas e estruturas de captação no atravessamento das linhas de água e estruturas de transporte em canal e condutas lançadas no atravessamento das ribeiras. Os danos foram muito elevados, as obras entretanto foram todas adjudicadas, os trabalhos estão todos no terreno e o valor dos mesmos, só no abastecimento público em alta, ronda os 5,5 milhões de euros.
Outro aspecto é o regadio agrícola, que é assegurado por uma rede de canais que, na sua totalidade, na RAM, chegam a 2.500 quilómetros. Desses 2.500 quilómetros, uma parte substancial – várias centenas de quilómetros - diz respeito a infra-estruturas principais, que são as grandes levadas, que estão associadas a levadas secundárias também grandes e importantes ao nível da dimensão e da abrangência sobre os regantes.
Há cerca de 600 quilómetros de canais principais para regadio agrícola danificados neste momento, à custa do temporal. As obras foram todas estudadas, foram lançadas a concurso e estão todas adjudicadas neste momento. Algumas inclusivamente já se encontram no terreno e outras irão iniciar-se a partir de segunda-feira (hoje). O valor das obras adjudicadas só no sector do regadio agrícola ronda os 7,87 milhões de euros a ser realizados pela Investimentos e Gestão Hidroagrícola, e cerca de 1,1 milhões de euros a serem realizados pela própria IGA, S.A. É à volta de nove milhões de euros de recuperação de infra-estruturas de regadio agrícola, apenas as públicas.
14 milhões de euros
de prejuízos
JM – Juntando a água potável e o regadio agrícola, há cerca de 14 milhões de euros de prejuízos...
PF – Há cerca de 14 milhões de euros de prejuízo. São mais de 120 empreitadas que neste momento estão no terreno que terão de estar concluídas num prazo de 90 dias.
No que diz respeito ao abastecimento público, neste momento a população tem genericamente água de qualidade, à excepção daquelas situações pontuais, e os problemas definitivos, todos eles, estarão concluídos também no prazo de 90 dias, mas não se prevê até à conclusão desses trabalhos qualquer constrangimento ao nível do abastecimento público, porque temos soluções alternativas.
Ao nível do regadio agrícola, a situação é um pouco mais complicada, porque o período de rega inicia-se no mês de Abril. Em princípio, no mês de Abril teríamos todas as infra-estruturas a funcionar a 100 por cento e isso é evidente que não vai acontecer. Tudo faremos no sentido de assegurar a quantidade mínima de caudais para assegurar a rega inicial. Também não prevemos constrangimentos nessa matéria. E aí teremos de pedir também a colaboração dos próprios regantes, que têm de compreender o problema, pois nós não realizamos quase 10 milhões de euros de obras em três dias. Isso é impossível, mas tudo estamos a fazer para assegurar a passagem dos caudais.
Essas obras serão feitas em duas fases. A primeira fase são as obras de carácter de urgência imperiosa e têm como objectivo fazer passar água. Refiro-me especificamente a limpezas, desobstrução, consolidação de taludes, consolidação de plataformas e reposição de secções destruídas. É evidente que as águas nessas circunstâncias irão passar, mas os canais não estarão a trabalhar nas melhores condições. Irão apresentar elevadas perdas em água, estarão ainda em zonas sujeitas a aluimentos e esses aluimentos irão ocorrer durante os próximos meses. Portanto, os nove milhões de euros é para fazer passar água.
Depois, segue-se uma outra fase que já será executada noutras circunstâncias, que é uma fase de recuperação das próprias infra-estruturas. Essa ainda não está quantificada. Só podemos avaliar efectivamente após a conclusão desta primeira fase dos trabalhos.
Projectos para recuperar
canais revistos
JM – Havia um projecto da IGA para recuperar os principais canais adutores. Isso ficou alterado por força destas novas circunstâncias?
PF – Não ficou alterado. Foi temporariamente suspenso, porque algumas daquelas obras, para as quais já havia inclusivamente projecto, tiveram as suas condições alteradas. Portanto, o próprio projecto tem de ser revisto, porque aquilo que fundamentou a elaboração do projecto foram condições que neste momento já não se verificam.
Os projectos vão ser revistos em função das novas circunstâncias no terreno. Não prevejo que isso irá acarretar grandes atrasos, mas poderá levar a outros custos diferentes daqueles inicialmente previstos. Já ao nível das lagoas, o projecto mantém-se tal como estava previsto e continua a ser realizado dentro da programação normal.
JM – A recuperação dos principais canais adutores não se enquadra nos nove milhões de euros que falou?
PF – Não. É outro projecto que está a andar. Como referi, ele foi interrompido, será revisto e iremos continuar nas condições iniciais ou em novas condições, em função daquilo que encontrarmos após a limpeza e desobstrução desses mesmos canais.
A IGA tem vindo a investir fortemente nos canais já desde há algum tempo a esta parte. Parte desses canais foi afectada pelas derrocadas, mas, curiosamente, aquilo que nos foi dado a verificar é que os danos nesses mesmos canais são mais ao nível da obstrução e não propriamente da destruição. Esses canais, quando foram remodelados, tiveram condições de segurança revistas e condições de estabilidade asseguradas. As obras foram feitas com cuidados que não eram bem aqueles de 1950 e, portanto, no essencial, resistiram, à excepção daquilo que estava dentro das linhas de água.
JM – Tendo em conta que os projectos de recuperação têm de ser revistos, quando é que se prevê que estas obras possam estar concluídas?
PF – A maior parte dessas obras estaria concluída durante o mês de Março. A previsão seria a Levada da Serra do Faial, que estava em obras, estar concluída durante o mês de Março, e a Levada da Calheta – Ponta do Sol seria mais tarde. Havendo trabalhos de limpeza e reparações sumárias que vão durar 90 dias, é natural que essas obras todas derrapem este período (cerca de 90 dias), mas não necessariamente, porque há casos em que os trabalhos serão feitos em simultâneo com a programação normal das obras.
JM – E este projecto de recuperação está orçado em quanto?
PF – No sector hidroagrícola estavam previstas, ou já em realização, obras no valor global de 40 milhões de euros, incluindo as lagoas. A esses 40 milhões de euros acrescem agora estas obras de reparação – os tais nove milhões de euros.
JM – Havia também um plano contra as perdas de água. Também irá sofrer alterações?
PF – Tudo o que diz respeito a canais sofre alterações com isto. Os princípios mantêm-se, as obras têm de ser recuperadas, mas antes de recuperar é preciso agora tirar-lhes a terra que está por cima, refazer algumas coisas, pôr água a passar, assegurar o período de regadio este ano e depois, então, a partir de Setembro ou Outubro, que é quando as necessidades da rega diminuem, vamos equacionar novamente tudo isto. Até lá, é manter.
JM — Depois deste Inverno muito chuvoso, como estão as reservas de água para o Verão?
PF – Não consigo falar em reservas para o Verão. É evidente que choveu mais do que o normal e o mês de Fevereiro praticamente teve caudais duplicados face à média. O dia 20 de Fevereiro foi diferente em termos de volume de chuvas. Segundo os nossos registos, sem considerar a zona do Funchal, tivemos chuvas equivalentes no ano de 1965, mas, adicionando o Funchal, essa data ainda vai mais para trás. Só que foi uma chuva muito intensa, e estas chuvas intensas fazem com que as águas se percam muito rapidamente. É evidente que alguma coisa ficou, mas foi uma parte muito pequena. O resto desapareceu, foi tudo pela ribeira abaixo. Portanto, não consigo sequer imaginar quais tenham sido os benefícios ao nível da recarga dos aquíferos. Mas também não tenho dúvidas em afirmar que foi benéfico.
Jornal da Madeira
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