Passado quase um mês sobre o dia em que a Madeira foi afectada por uma aluvião, a vida retoma a normalidade mesmo nos sítios mais atingidos. Na Terça e na Fajã da Ribeira, a população diz-se satisfeita
A Mónica Camarata vive no sítio da Terça, na Ribeira da Tabua. Tem o marido bastante doente e um filho, jovem, em cadeira de rodas. Dá «graças a Deus» pelo facto de, no dia 20 de Fevereiro, «não o ter em casa». «Ele joga basquete e tinha ido ao Continente para um jogo», refere. Mónica Camarata, que viu a Ribeira da Tabua deixar-lhe a casa à beira de um abismo, num «cai, não cai», ficou isolada, na outra margem, do resto do concelho.
As únicas moradias que ali existiam eram a sua e a de uma filha (emigrada). Nesse dia 20 de Fevereiro, entrou em pânico quando viu as águas «descerem, à louca, pela ribeira abaixo e levar a única ponte, construída há 20 anos, que dava acesso à sua moradia. Não conseguiu fugir para o outro lado da ribeira e ficou isolada com o marido, filha e nora. Não teve outro remédio senão o de fugir para um palheiro e ali permanecer durante toda a tarde de sábado e noite de domingo».
«Não tínhamos nada connosco. A única coisa que tínhamos era a nossa roupa...Passámos a noite de sábado para domingo deitados mas acordados. Em cima de palha, fomos conversando e sentindo os ratos passearem perto de nós. A minha nora chegou a ter um em cima da barriga», conta, enquanto mostra os pêlos dos braços arrepiados. Só no domingo, dia 21 de Março, Mónica Camarata gritou para os vizinhos que se encontravam na outra margem da ribeira e pediu ajuda. «O vizinho foi chamar outros tantos vizinhos que, depois de recolherem alguns troncos, conseguiram passar esta família para uma zona mais segura».
«O meu marido é muito doente e o meu filho de 21 anos não pode regressar a casa sem que esta ponte tenha condições para ele passar», diz Mónica Camarata enquanto assiste à colocação de uma ponte pedonal, cujos trabalhos estão mesmo a ser ultimados na altura em que a nossa equipa de reportagem passa no local. No dia em que estivemos no local (na última terça-feira à tarde)m, era a primeira vez que Mónica Camarata visitava a zona da sua residência depois de ter saído do local após a enxurrada de 20 de Fevereiro. «Vim aqui para ver o andamento das obras mas nunca pensei que isto já estivesse assim. Pensei que ia levar mais de um mês para regressar a casa mas penso que hoje à noite ou talvez à manhã, já estou na minha casinha», disse satisfeita. Mónica Camarata este alojada na casa de uns amigos.
«Era para ir para a casa da minha filha no Caniço. Mas como o meu filho estuda na Ribeira Brava, seria um transtorno muito grande. O que vale é que os amigos aparecem nestas ocasiões importantes», defende ainda a mesma senhora.
«Estou tão satisfeito com os madeirenses»
Pedro Santana, da Fajã da Ribeira, na Ribeira Brava, diz que nunca, em momento algum, pensou que no mesmo dia, teria uma ponte para passar do local onde vive para o centro da Ribeira Brava.
Este homem, natural de Cabo Verde mas residente da Madeira há mais de 20 anos, diz que no próprio dia da intempérie, a qual “cortou” o acesso à Fajã da Ribeira (os populares ali residentes), «mulheres e homens deitaram mãos à obra e construíram uma ponte de Madeira». «Corremos riscos nesse dia, mas tivemos que construir a ponte porque havia gente doente deste lado da ribeira». No dia seguinte, dia 21 de Fevereiro, «já as entidades competentes envidavam esforços no sentido de colocar uma outra ponte pedonal mais segura». «Ao fim do dia 21 de Fevereiro - um dia depois do temporal - já tínhamos duas pontes», refere Pedro Santana. «Ao cabo de 14 dias, já estava feita uma ponte para sairmos com os carros. Eu nunca esperei que isto pudesse acontecer e estou muito satisfeito com a forma como as entidades reagiram», desabafa Pedro Santana, o qual considera que «toda a gente, quer a população, quer os governantes tiveram uma reacção fantástica. Estou tão satisfeito com o povo madeirense. Estou tão satisfeito com o povo da Ribeira Brava», afirma.
No dia do temporal, Pedro Santana pensou que o Mundo estava a acabar. Dos rochedos de ambos os lados, viam-se as “entranhas” dilaceradas. Dezenas e dezenas de derrocadas aconteciam ao longo de todo o vale, em ambos os lados. «Só pensava: vamos morrer todos!».
Câmara atende mais de cem pessoas diariamente
O presidente da Câmara Municipal da Ribeira Brava diz que a sua equipa recebe, desde o dia do temporal, e diariamente, mais de uma centena de pessoas que vão apresentar os seus problemas.
Noventa por cento das queixas «são verdadeiras», sendo que as outras 10 por cento «são falsas».
«Há muitas pessoas que já tinham problemas nas suas casas e negócios e que agora estão a tentar aproveitar a “onda” para resolver o seu problema», afirma o edil da Ribeira Brava. No entanto, a Câmara, «para não arranjar atritos, tem ouvido todos, mesmo aqueles que sabemos que estão a fazer aproveitamento da situação. Vamos, no entanto, dar prioridade aos que sabemos que estão a ser honestos», assegura Ismael Fernandes.
O presidente da Câmara aproveita a ocasião para fazer um apelo à população do concelho da Ribeira Brava. «Não esperem pela resolução de todos os problemas em quinze dias ou num mês. Os problemas que existem no concelho da Ribeira Brava vão levar quatro anos para ficarem solucionados», frisa o autarca.
Em primeiro lugar, «as pessoas estão a apresentar os seus documentos. As delegações da Câmara e do Governo Regional vão deslocar-se aos locais para verificar a veracidade das queixas apresentadas. Vão fazer o diagnóstico e mediante os fluxos financeiros que venham para a Madeira e nomeadamente para a Associação de Desenvolvimento da Ribeira Brava, as verbas serão encaminhadas, dando prioridade às situações mais graves».
O dinheiro, alerta o edil da Ribeira Brava, «não irá vir todo de uma vez». «Nem as obras serão feitas todas de uma vez», adverte. Há pessoas que estão a deslocar-se à Câmara pedindo respostas rápidas para o seu problema mas «é preciso ter calma porque o município irá ser recuperado entre 3 a 4 anos».
As estruturas globais - como abastecimento de água, redes viárias e esgotos - serão os prioritários. O problema pessoal de cada um virá a seguir.
«A ideia do coitadinho cansa»
O presidente da Câmara Municipal da Ribeira Brava não concorda com aqueles comerciantes que continuam a fazer a figura do "coitadinho". Ismael Fernandes diz que ao contrário do muito que sempre que se disse, desde que a marginal daquela freguesia teve mudanças, o comércio «que tem qualidade, sempre sobreviveu à crise que não é só da Ribeira Brava, mas do Mundo em geral».
«Nunca ouvi um comerciante dizer que está a ter um bom negócio. A grande maioria gosta de se queixar mas eu nunca lhes pedi o IRS», refere o autarca quando questionado sobre se a tragédia veio afectar, ainda mais, os comerciantes da Ribeira Brava. »Ao fim de cinco dias, estava tudo limpo e toda a gente tem as portas abertas, pelo que, no centro da Ribeira Brava, não danos a lamentar a esse nível». É claro que houve empresas prejudicadas noutros sítios como na Tabua e na Serra de Água, mas com empenho e dedicação, «vão conseguir ultrapassar esta dificuldade».
O autarca rejeita a ideia de que a freguesia da Ribeira brava é uma freguesia fantasma, assegurando que, todos os dias, por ali passam muitos madeirenses e turistas.
Jornal da Madeira
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