José Costa, um antigo emigrante nos EUA, veterano da guerra do Vietname, na calma do Porto Moniz construiu um caminho de ferro...
Notável, singular, estupendo e impensável. Quatro adjectivos que ajudam a sustentar o projecto de José Costa, um ex-emigrante nos Estados Unidos da América e veterano da guerra do Vietname que numa noite de insónia incomodativa resolveu construir, com as suas próprias mãos, um caminho de ferro com todos os seus acessórios e adereços (comboio e carruagens) no meio do jardim da sua casa.
Foi há precisamente 13 anos que escolheu a vila do Porto Moniz para viver na companhia do seu progenitor, no qual o destino reservou-lhe uma dupla missão na vida e na educação do filho Joe: ser pai e mãe simultaneamente. Pelo meio, um divórcio e relatos impressionantes de um conflito armado entre americanos e vietnamitas levaram este madeirense a entrar na guerra.
Paixão pelos comboios A sua paixão pelos comboios nasceu muito cedo a ponto de quando teve uma propriedade ter construído uma 'linha férrea'. O objectivo foi que esta o ajudasse nas tarefas domésticas. Transportava materiais pesados, mas também tinha outra função: servir de brinquedo ao seu único filho, Joe.
Agora a residir no concelho nortenho, diz que o comboio servirá para reviver o passado como forma de lazer e de diversão. Não sabe quantos minutos a locomotiva levará a percorrer o traçado nem mesmo qual a distância da linha férrea. "Depende muito da velocidade e do peso da carga", resume este operário de profissão. Mas que interessa isso, se o mais importante é a obra agora lhe consome horas a fio na sua construção?! Entre muitas exclamações que se possam fazer à magnificência do plano que desenvolveu nos arredores da sua casa, está igualmente a ausência de qualquer planta desenhada ou sequer de um esquisso onde se possa perceber os traços da ilusão e de um sonho que acabará por mais tarde se erguer, justamente no coração da vila do Porto Moniz. Ao primeiro olhar tudo parece ser perfeito. Neste feito ímpar de zinzaguear de linhas de aço e de ferro, este cinquentenário deu-se ao trabalho de construir um túnel de pedra aparelhada, uma ponte de ferro sobre um pequeno lago onde habitam três ou quatro espécies de peixe de água doce. Pelo meio, uma zona ajardinada e um corredor de vinha, ajudam a complementar a área. O chão inacabado, será coberto por calçada portuguesa. "Já comprei duas toneladas de pedra", sublinha.
Como pano de fundo, a esplendorosa baía da vila do Porto Moniz que tantas vezes serve para os turistas contemplarem a sua beleza. Agora, afirma, os forasteiros têm mais um pretexto para visitar a localidade. "Podem vir ver e andar no comboio. Ainda não está pronto, mas quando estiver, estará aberto a quem quiser. Crianças e adultos serão bem-vindos, desde que não façam asneira", solta a declaração no meio de um suave sorriso. A generosidade ou passatempo como prefere catalogar, leva-lhe muitos euros do bolso. À questão, 'o construtor' diz nem querer pensar nisso. "Nem faço ideia de quanto já gastei. Só em calhas de ferro tenho uma pequena fortuna empenhada para nem falar do trabalhão que isto me dá. Mas não importa, faço-o por prazer", confidencia.
O esforço diário da montagem e desmontagem das calhas chega a ser extenuante ao ponto de interromper os trabalhos durante a semana. "De facto, não é fácil dobrar estas calhas. Tive de comprar um torno, mas mesmo assim é muito cansativo. Ainda bem que tenho o meu filho por perto que também gosta disto e que me ajuda". Aliás, confessa, que quando vivia na Califórnia fez nos arredores da sua casa um caminho de ferro quase semelhante ao do Porto Moniz, com apenas uma particularidade: "Era muiiiiito maiorrrr", soletra, para evidenciar a grandeza do equipamento. Tão grande que "servia para transportar equipamento e produtos para mais próximo da casa. Além disso, o Joe passava horas brincando dentro das carruagens".
Linha do Porto Moniz No caminho de ferro do Porto Moniz "está tudo dentro da minha cabeça", confidencia o operário que chegou a trabalhar no início da juventude na fábrica da marca automóvel Ford. Relembra, que teve várias empregos, no último ganhava perto de 20 dólares à hora. "Fiz bom dinheiro nessa altura", recorda. Hoje, curiosamente, está aposentado não de uma carreira profissional acumulada, mas por ser combatente e sobrevivente de um conflito armado que irremediavelmente lhe deixou marcas psicológicas incicatrizáveis. "Sim, é verdade. Estive durante alguns meses em missão. Patrulhava os rios do Vietname. Não foi fácil... Nada fácil", solta aos poucos as frases, num tom francamente esmorecido.
"Perdi muitos dos meus amigos em combate", revela. Porém, detém a conversa e desvia repentinamente o olhar que entretanto nos fitava. Após alguns segundos - talvez horas para Costa -, retoma a respiração e continua: "Fui forçado a entrar no exército americano. Teve de ser! Emigrei para a América com 10 anos juntamente com os meus pais. Em 1968 não tive hipótese. Rebentou a guerra e não havia outra hipótese se não seguir para o Vietname", explica ainda num sotaque indisfarçadamente 'americanizado'. Antes, recorda um ano e picos de treino intensivo que lhe pareceu mais ser uma década tal o grau de exigência física e militar. Hoje, diz que vai sobrevivendo à conta disso, apoiado por uma "boa reforma", naturalmente por ter combatido ao lado dos americanos. Longe da terra que o viu crescer, assegura que são os dólares que o ajudam a desenvolver as suas ideias e a concretizar os seus sonhos. "Não me dou parado e faço de tudo um pouco", esclarece numa tentativa perspicaz de fugir ao assunto Vietname. Percebemos e aceitamos a 'deixa', aliás, o nosso propósito era outro.
De 'regresso ao caminho de ferro', José Costa leva-nos ao interior da sua oficina instalada próximo da sua garagem onde se vislumbram traços de um carro vermelho coberto por um extenso lençol branco. Apercebendo-se da nossa curiosidade, encaminhamo-nos para o local. À medida que se aproxima vai descobrindo o objecto. Completamente visível aos nossos olhos, explica: "É um 'Jaguar E-Type' de 1969. Tem 250 cavalos e 4.200 cilindrada. Além disso tem uma história curiosa. Comprei-o no continente a um indivíduo que o comprou, imagine, na Califórnia, perto da casa onde eu vivia. Fiquei tão emocionado e agradecido ao ver os comprovativos que não hesitei. Tive de o comprar", retrata o episódio como se ainda fosse aquele dia.
Dias enfiado na oficina Mas é ao lado do Jaguar onde passa grande parte dos seus dias. De repente, repara numa das carruagens posicionada em cima de um cavalete. "Está a ver, está aqui uma das carruagens que lhe falava há pouco. O meu filho já pintou. Só falta colocar as rodas e a bateria de 12 voltes que será o motor desta máquina", previamente colorida de amarelo e vermelho tinto. As restantes quatro carruagens estão a ser executadas. Será o resto do 'puzzle'.
"Todas estão feitas para poderem transportar duas crianças dentro", sublinha ao olhar desacreditado do repórter. "Não acredita?", solta uma gargalhada. "Pois acredite que assim será", reitera com convicção.
Apesar de estar já há uma década de anos na Madeira, foram muitos anos na América. Talvez por isso quando as saudades apertam dá uma saltada à terra do 'Tio Sam'. "Até agora tem sido sempre de dois em dois anos. Tenho familiares ainda na Califórnia", explica. José Costa confessa ser um indivíduo introvertido que gosta de estar muitas vezes isolado e compenetrado nos passatempos que resolve colocar em prática. "O meu hóbi passa quase sempre por trabalho", ri à confissão que entretanto acabara de fazer. "É verdade. Olhe, quando comprei esta casa, era tão antiga que resolvi remodelá-la e dar um toque pessoal. Fiz tudo o que aqui está agora. Ao principio eram duas casas. Juntei numa só. E não precisei de pedreiros", desfere.
No interior, símbolos da civilização americana. Americano que se preze tem de ter pelo menos uma bandeira por perto entre outras referências emblemáticas. Joe, de 23 anos de idade, não renega a pátria e tem tudo estas imagens. Umas no tecto do seu quarto enquanto outras enfeitam o resto do andares.
DN Madeira
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