Paulo Oliveira considera que as principais medidas com vista a diminuir ou eliminar os riscos de extinção das espécies mais vulneráveis estão implementadas há já algum tempo na Região
JORNAL da MADEIRA — Este ano assinala-se o Ano da Biodiversidade. Que actividades vai o Parque Natural efectuar para assinalar a efeméride?
Paulo Oliveira — Um pouco a brincar e muito a sério posso dizer que para quem trabalha nesta área todos os anos são anos da biodiversidade, assim como o são todos os dias! É óbvio que neste ano vamos aproveitar a maior receptividade do público para intensificar a nossa mensagem divulgativa e de sensibilização. O SPNM tem um programa de sensibilização ambiental que se reveste de várias componentes e que movimenta anualmente cerca de 10.000 pessoas, desde alunos da pré escolar até pessoas da terceira idade. É nossa intenção, ao longo deste ano, manter estes elevados níveis de intervenção pondo o enfoque numa abordagem pedagógica relativamente à nossa biodiversidade.
JM — Em que estado está a biodiversidade madeirense? Qual é a maior ameaça a essa biodiversidade?
PO — A Biodiversidade madeirense está bem. O panorama negro adiantado pela ONU de que até 2050 irão desaparecer do nosso planeta cerca de 15 a 30 % das espécies conhecidas, não se aplica de todo ao nosso arquipélago. Existem algumas espécies, pertencentes a distintos grupos, que necessitam da nossa atenção dirigida e continuada, mas as medidas basilares para a sua conservação no todo estão devidamente acauteladas (por exemplo existência de uma adequada rede de Áreas Protegidas que englobam os habitats mais relevantes de todo o arquipélago). É difícil adiantar um factor de ameaça mais relevante, mas ao ter que o fazer, eu destacaria o efeito das espécies introduzidas com carácter invasivo (animais e plantas) como aquela que merece maior atenção. E a verdade é que essa atenção tem sido dada, contando com reconhecimento mundial. A Madeira está claramente na vanguarda da Europa no que diz respeito a projectos de erradicação de vertebrados introduzidos nefastos para os ecossistemas (murganhos, ratos, coelhos e cabras)! Podemos referir os variados projectos levados a cabo na Deserta Grande, Bugio e nas Selvagens. É muito interessante também referir o projecto de recuperação dos habitats da Ponta de São Lourenço através da erradicação de todas as espécies de plantas introduzidas com carácter invasivo existentes na área.
JM — Que espécies animais e vegetais estão mais ameaçadas? Porquê?
PO — Um dos grandes problemas mundiais para a conservação da natureza é que os recursos financeiros e humanos não são ilimitados, o que leva a que exista uma necessidade de actuar de acordo com critérios de prioridade rigorosamente definidos com bases científicas. Nesta óptica, as nossas prioridades levaram à implementação de projectos dirigidos a espécies extremamente ameaçadas como as Freiras da Madeira e do Bugio, do Lobo Marinho e de algumas plantas extremamente raras da Laurissilva e Maciço Montanhoso Central. Estes eram projectos que tinham garantidos o envolvimento e aceitação do público, o que foi um dos factores determinantes para terem avançado primeiro
Actualmente preocupam-me os moluscos terrestres (vulgo caracóis) dos Ilhéus do Porto Santo e a fauna marinha do arquipélago no seu todo. Considero que actualmente estes são as principais preocupações porque, em consequência do que já expliquei antes, só recentemente é que foi possível implementar um programa de conservação que conduza à recuperação destas populações únicas no Mundo. A primeira medida passou pela criação da Rede de Áreas Marinhas Protegidas do Porto Santo e agora está em curso uma série de candidaturas que irão possibilitar a implementação de um programa de recuperação alargado que visa garantir a perenidade dessas espécies e seus habitats. No que toca à fauna marinha demos início o ano passado a um programa de inventariação da fauna do ictiológica (peixes) do Porto Santo, o qual possibilitará a elaboração de um documento de referência, importante para a definição das necessidades de conservação dessa área e do sucesso das medidas já implementadas .
Política ambiental bastante sólida
JM — Que soluções estão a ser ponderadas para diminuir ou para eliminar riscos de extinção?
PO — Eu penso que a política da Região em termos de conservação da natureza é bastante sólida e consequente, estando as principais medidas com vista a diminuir ou eliminar os riscos de extinção das espécies mais vulneráveis implementadas há já algum tempo. Acredito que os principais riscos de extinção existentes são de âmbito mais geral, ao nível por exemplo do aquecimento global, mas a este nível pouco se pode fazer no contexto regional. A única coisa que podemos fazer é ajudar a implementar um modo de vida e de estar que de alguma forma contrarie aspectos como a emissão de CO2 para a atmosfera…apesar de insistir que devemos pensar globalmente agindo localmente, tenho a consciência que os centros decisores destas matérias estão longe do patamar regional, ou mesmo, nacional.
JM — Como é que se poderá lidar com os riscos de invasão de espécies, como está a contecer sobretudo nos insectos, como os casos da formiga, do mosquito, etc?
PO — Esse é um problema muito difícil de contornar…são as tais consequências das alterações climáticas. Não está a acontecer nada que já não estivesse previsto há muito tempo. São espécies que agora encontram na nossa região condições óptimas para a sua sobrevivência. O que podemos fazer? Temos que actuar a dois níveis distintos. Por um lado intensificar a fiscalização sobre os produtos, alimentares e outros, que entram na região, dotando as entidades fiscalizadoras de ainda mais instrumentos legais que possibilitem uma intervenção mais assertiva e eficaz. Por outro, devemos nos manter atentos, com planos de contingência devidamente preparados para serem accionados sempre que focos de infestação sejam detectados, numa fase inicial do estabelecimento. Depois deste tipo de espécies passar à fase de estabelecimento já nada se pode fazer a não ser aprender a viver com elas.
JM — Espécies como o eucalipto ou a acácia também são invasoras... Acha que as pessoas estão mais sensibilizadas para as invasões animais e esquecem-se das vegetais?
PO — Penso que não! Acho que as pessoas todas conhecem os problemas levantados pelos eucaliptos, por exemplo. O problema é que muitas plantas introduzidas com carácter invasivo têm um papel ornamental muito marcado, aliás foi por isso que chegaram à nossa região, e as pessoas gostam de as ter no seu jardim, esquecendo-se que podem estar a contribuir para a disseminação de uma espécie potencialmente nociva para os ecossistemas. Outra vertente do problema é quando estas espécies já fazem parte da cultura das pessoas, estou por exemplo a pensar nos coelhos, à volta dos quais existe uma intensa actividade cinegética fortemente enraizada na nossa sociedade civil. Muito sinceramente penso que aqui ainda temos um longo trabalho de sensibilização a fazer. As pessoas não estão ainda dispostas a mudar o seu modo de vida para contribuir para o combate às espécies introduzidas com carácter invasivo.
JM — Nos dias de hoje, de aldeia global, que medidas poderão ser tomadas de modo a garantir que as espécies madeirenses serão salvaguardadas face a outras espécies?
PO — Essas medidas existem e têm dado os resultados esperados.
A Madeira tem legislação própria no que diz respeito à prevenção da entrada e detenção de espécies de animais introduzidos; actualmente é proibido introduzir qualquer espécie, com excepção dos tradicionais animais de companhia.
No que toca às espécies vegetais, apesar de existir legislação nacional que previne a entrada de espécies potencialmente perigosas na Região, seria importante fazer aprovar legislação de cariz estritamente regional que fosse ainda mais restritiva e ágil, obviamente salvaguardando, os legítimos interesses económicos associados à comercialização de plantas.
JM — Em que pé estão os processos de recuperação da Manta e de outras aves de médio e grande porte?
PO — Espécies como a Manta apresentam estatutos de conservação favoráveis, tendo recuperado em pleno das perseguições que lhes eram movidas no passado. Este tipo de espécies, por serem predadores de topo, são indicadores da saúde e equilíbrio dos ecossistemas. Neste contexto, é fácil concluir que os nossos ecossistemas estão bem e recomendam-se!
JM — Que projectos tem o Parque Natural para as Desertas? E para as selvagens?
PO — A conservação da natureza é um processo dinâmico. Após uma fase inicial em que foi preciso dar atenção à recuperação de espécies e habitats muito ameaçados, estamos agora em condições, fruto também das condições sociais então criadas na ilha, de virar essa página. Os projectos para onde agora canalizamos as nossas energias prendem-se, por um lado, com o envolvimento da população no nosso trabalho e, por outro, pela criação de uma estrutura de merchandising e prestação de serviços especializados que de alguma forma permitam aumentar o financiamento das nossas actividades.
Queremos de uma forma gradual e sustentada criar níveis elevados de visitação das nossas áreas protegidas, que contribuam para uma maior valorização das mesmas. Os centros de apoio das Reservas serão melhorados e o exemplo disso são as alterações já implementadas na Casa do Sardinha na Ponta de São Lourenço. Neste local foram efectuadas obras de requalificação e a Casa de Apoio e Vigilância irá passar a constituir um Pólo de Recepção. Em paralelo serão criados outros Pólos de Recepção, quer na Madeira quer nas “ilhas” que irão levar a uma maior divulgação do nosso património natural, associado a um programa de marchedising que trará óbvios dividendos financeiros. Aspecto importante em época de crise.
A Madeira, segundo Paulo Oliveira, «está claramente na vanguarda da Europa no que diz respeito a projectos de erradicação de vertebrados introduzidos nefastos para os ecossistemas».
Neste momento, de acordo com o director do Parque Natural da Madeira, «as nossas prioridades levaram à implementação de projectos dirigidos a espécies extremamente ameaçadas como as Freiras da Madeira e do Bugio, do Lobo Marinho e de algumas plantas extremamente raras da Laurissilva e Maciço Montanhoso Central».
Jornal da Madeira
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