O inventário de órgãos da região há pouco lançado é o primeiro do seu género, no país
Data: 25-11-2009
Recentemente lançada na Madeira pela Direcção Regional dos Assuntos Culturais (DRAC) a obra 'Órgãos das Igrejas da Madeira', da autoria do mestre organeiro Dinarte Machado e de Gerhard Doderer, é única no país, no que concerne à informação que disponibiliza sobre o património organológico de uma dada região. Quem no-lo disse foi, precisamente, Gerhard Doderer, professor e organista com um extenso currículo, que já foi professor catedrático do Departamento de Ciências Musicais da Universidade Nova de Lisboa, e que é autor de várias publicações (prepara actualmente um guia dos órgãos do Patriarcado de Lisboa).
"Este é o primeiro inventário que se faz de uma dada região de Portugal. Não existe outro. Nem no centro de Portugal, nem no Alentejo, nem no Norte do país, nem nos Açores. É a primeira vez que temos realmente em mão algo palpável, relativamente a este inventário patrimonial".
Para Doderer, é importante, não só para os habitantes locais, como para os visitantes, os turistas, ter a percepção dos instrumentos existentes e da forma como se integram na localidade onde estão inseridos.
"Penso que, sob este aspecto, o livro vai satisfazer muitas pessoas. Claro que, a partir de agora, e tendo este livro saído desta forma, estamos à espera de outros e mais pormenorizados estudos organológicos em relação a alguns dos instrumentos mencionados. Gostaríamos que este inventário fosse o ponto de partida para muitas edições organológicas futuras".
Conforme explicam os próprios autores na apresentação do livro, o mesmo abrange o conjunto dos órgãos que Doderer e Machado conseguiram localizar, examinar e avaliar.
"Julgando indispensável oferecer um enquadramento dos respectivos instrumentos, apresentamos não apenas textos que se referem a aspectos históricos dos templos onde estes órgãos se conservam, como descrevemos, ao mesmo tempo e em termos sintéticos, as características técnicas dos objectos em estudo. A documentação fotográfica integrada realça os instrumentos propriamente ditos, mas também o ambiente englobante, tanto em termos geográfico-paisagísticos como no que respeita à própria inserção nos diversos espaços sagrados".
Neste livro, são registados mais de trinta órgãos da Madeira, mas é patente que os estados de conservação diferem bastante, sendo que alguns se encontram bastante degradados. O restauro que a DRAC tem empreendido relativamente a vários instrumentos, na opinião de Gerhard Doderer, "vai sendo orientado um pouco através da importância histórica de que os próprios instrumentos se revestem. E assim, é bem natural que se tenham contemplado primeiro instrumentos do séc. XVII, e outros, depois, do séc. XVIII. Mas eu penso que se vai continuar, e certamente chegaremos também aos instrumentos do séc. XIX, que têm também a sua importância porque demonstram claramente o tipo de prática e de gosto musical que se tinha naquela altura". O catedrático alemão diz que na Madeira "há um grupo de instrumentos ingleses que têm uma importância especial - até para a própria Inglaterra, porque não existem assim muitos órgãos daqueles construtores da segunda metade do séc. XIX". Há, porém, instrumentos que têm mais substância histórica do que outros, até pelo que conservam de original.
"Mas, de uma maneira geral, o grupo de instrumentos do séc. XIX é bem importante", considera.
Quanto aos órgãos entretanto recuperados, acha-os também relevantes, "porque se inserem perfeitamente na tipologia dos órgãos que se construíram nos principais centros de Portugal, nomeadamente em Lisboa, e para nós é importante verificar que esses instrumentos também encontraram o seu caminho até à ilha da Madeira".
Por seu turno, Dinarte Machado elogia a "vontade política" que existiu na Madeira, em dar continuidade a um levantamento inicial que o próprio efectuou em 1993. Em contrapartida, critica a ausência dessa mesma vontade política nos Açores, onde efectuou trabalho de pesquisa similar em 1987-89. Realizar um livro como o que agora foi publicado, enfatizou, é um trabalho difícil, que tem de ser desenvolvido em diferentes fases, mas muito relevante do ponto de vista cultural. Esta obra é um registo de estudos, que pode servir de ponto de partida para investigações organológicas inclusive ao nível universitário. "E, no plano organológico, nós em Portugal não temos nenhuma publicação feita, nem mesmo ao nível de inventário".
Um estudo feito por conhecedores do assunto
Dinarte Machado é o organeiro açoriano que tem sido responsável pela recuperação de vários órgãos madeirenses, e também pela construção, de raiz, do órgão da igreja do Colégio. Nasceu nos EUA, em 1959, mas cresceu nos Açores. Foi um autodidacta na organaria durante uma década, mas consolidou os seus conhecimentos a partir de 1992, estagiando com o mestre organeiro Gerhard Grenzing, e participando no restauro do órgão histórico do Palácio Real de Madrid. Em vários países europeus, melhorou a sua formação técnica e profissional. Comparando os órgãos de outros países com os nacionais, detectou características específicas que configuram a existência de uma organaria portuguesa, original, distinta das dos demais países. Foi este o tema da comunicação que apresentou, aliás, no Congresso Internacional de Órgãos Históricos Portugueses. Desde então, tem sido um activo defensor da necessidade de salvaguarda deste património. Já efectuou cerca de 70 restauros em Portugal (continente e ilhas) e Espanha, construindo também órgãos de raiz para escolas de música e igrejas portuguesas.
Gerhard Doderer, por seu turno, nasceu em 1944 na Alemanha. Após estudar Pedagogia em Würzburg e formar-se no Conservatório da mesma cidade, doutorou-se na 'Julius-Maximilians-Universität', em 1973. Foi bolseiro da Fundação Gulbenkian e especializou-se em Música Ibérica do Renascimento e do Barroco. Ensinou Órgão e Organologia no Conservatório Nacional de Lisboa. Leccionou também no 'Hermann-Zilcher-Konservatorium' de Würzburg, que depois dirigiu. De 1982 a 2008, foi professor catedrático do Departamento de Ciências Musicais da Universidade Nova. Tem realizado numerosas publicações, reeditado Cantatas de câmara, dado recitais e seminários e prepara actualmente um guia dos órgãos do Patriarcado de Lisboa. Gravou vários discos de órgão.
DN Madeira
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