quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Ruas da “Festa”







Não será exagerado dizer que o que assinala o espírito natalício no Funchal é a iluminação usual das ruas, nesta época. É a marca. O que inicia, permanece e encerra este período da Ilha. Porque o fogo-de-artifício é só num dia e o Natal é outro tanto.
As luzes não. Anunciam com alguma antecedência, vão recordando ao longo deste mês que é tempo de festejar o Menino e só se apagam depois de se assinalar o Dia de Reis, o das ofertas a Jesus.
População e turistas não são indiferentes a todo este brilho que ilumina as ruas funchalenses. Para além da natural curiosidade com que se vão cruzando as ruas, na busca da mais linda, da mais bem decorada, dos motivos mais apelativos que as adornam, parece transparecer no ar dos passeantes uma alegria e felicidade nada usual noutras épocas do ano.
Os flashes das câmaras fotográficas com que alguns tentam captar esta beleza para todo o sempre trazem, aqui e além, brilhos inesperados na noite.
Outra das diferenças marcantes é o número, já pouco usual, de pessoas que calcorreiam as calçadas, nas noites funchalenses.
Época de Natal, para os madeirenses, é esta Festa, o brilho das luzes, a alegria que se vive nas ruas e é isso que muitos, vindos de longe, quer de outras paragens da Ilha, quer de outros destinos mais distantes, vêm procurar no Funchal.
Há sempre quem aprecie tudo o que vê ­­­- quiçá por nunca antes ter visto -, e outros que comparam as decorações e iluminação natalícias com a de outros anos.
Os mais velhos ainda lembram o tempo em que as ruas apenas se iluminavam com as gambiarras de lâmpadas coloridas ou simplesmente brancas que se penduravam nas árvores.
Para alguns, «essa é que é a verdadeira iluminação de Natal» da Madeira. As coloridas podem ainda ser vistas, principalmente na Rua do Bom Jesus e na Avenida Zarco, enquanto que a Placa Central da Avenida Arriaga, toda em lâmpadas branquinhas, recorda os primórdios da iluminação natalícia funchalense.
Outros, contudo, preferem os novos sistemas de gambiarra de mangueira, que permitem desenhos mais elaborados e artísticos.
Há para todos os gostos e, este ano, as ruas funchalenses aparecem decoradas com motivos que nada lembram o Natal. Astros, luas... Há quem se espante, crítica e negativamente, contra tais “arrojos artísticos”.
«Não tem nada a ver com o Natal», ouve-se de passagem.
E não tem mesmo. Apesar disso, tem uma razão de ser. É que o Natal é uma época do ano e este, o que agora se comemora, é o Ano Internacional da Astronomia. Essa a razão de tais elementos decorativos. Uma forma de o Funchal findar 2009 associando-se a essas comemorações.
Henrique Freitas era um dos que não tinham ainda percebido a associação dos astros com o Natal. Também -confessa - não se preocupara com isso. «Acho graça só pelo motivo em si. Não vou procurar grandes explicações», acrescenta. No global, considera que as iluminações estão melhores do que no ano passado. «Inovaram, este ano», diz.
Com os seus “sins” lacónicos, Sara, de nove anos, admite que as luzes natalícias lhe trazem alegria e que gosta mais das ruas no Natal, mas o que mais gosta são «os motivos do Pai Natal».
As luzes trazem recordações de tempos em que não as havia, o que é o caso de António Cardoso, de 56 anos, que ainda recorda as descrições que seu avô fazia dos tempos em que as ruas do Funchal eram iluminadas a candeeiros de petróleo, que um homem acendia todas as noites. O Natal não era diferente.
António Cardoso, emigrante na Venezuela desde os 17 anos e, agora, de visita à Madeira, lembra a sua infância em São Jorge, onde a iluminação pública eléctrica só chegou quando tinha seis anos.
«O tempo mudou - diz, referindo-se à antiga iluminação natalícia do Funchal, só com lâmpadas e a actual, com motivos - e a tecnologia é outra. É tudo mais moderno».
O que mais recorda da infância são as diversões do Campo Almirante Reis. Motivo para vir ao Funchal. «Agora, já não há nada disso». lamenta.
Também emigrado na Venezuela, Francisco Cavaleiro diz que, no seu tempo, não vinha do Porto Moniz ao Funchal «só para ver luzes», até porque «não havia dinheiro para isso». Festa, lá na terra, «era a matança dos porcos e o Dia de Natal».
Luzes não trazem só recordações alegres. «A história que eu tenho é que, na Serra d’Água tinha água para produzir luz para quase meia Ilha e os de lá não tinham luz. Ainda dizem que as pessoas da Serra d’Água são más! Eu acho que não!», diz outro senhor de idade mais avançada.
E o Natal também é isto. Época de lembranças e vivências, umas mais tristes que outras, que as luzes das ruas vão trazendo à memória.


Jornal da Madeira

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