Não há dúvidas de que está mais quente, mas a precipitação que caiu nos primeiros sete dias de Outubro também foi suficiente para ultrapassar aqueles que são os valores tidos por normais para este mês
Fruto de alterações ou não, a verdade é que o clima está cada vez mais diferente na nossa Região. É certo que a humidade e a pouca precipitação não são uma novidade no mês de Outubro, mas a verdade é que acentuam-se as diferenças em relação àqueles que são os anos de referência, ou seja, entre 1971 e 2000. Por exemplo, se em relação à temperatura média mensal o valor normal era de 21,2 ºC (Graus Celsius), este ano, em Outubro de 2009 (dados referentes até dia 29) já se atingiu os 23,4 ºC. Ainda assim, em 2006 e 1995 atingiram-se valores próximos, 23 ºC e 22,8 ºC respectivamente.
Em relação à média da temperatura máxima diária, o valor considerado normal (1971-2000) é de 24,4 ºC, sendo que o registado em 2009 foi de 26,3 ºC. Ainda assim, em 1996 foi registado o valor de 26,2 ºC, enquanto que em 2006 e 1971 os termómetros atingiram 26,1 ºC.
O valor médio das temperaturas mínimas diárias normais é de 17,9 ºC, sendo que o valor registado em 2009 é já de 20,4 ºC. Um valor que, de acordo com Victor Prior, delegado regional do Observatório Meteorológico do Funchal, é considerado «bastante diferente e muito superior», constituindo mesmo o maior valor médio de temperatura mínima diária registado pelo menos desde 1949.
No que toca a temperaturas extremas, isto é, o valor máximo absoluto, tem andado na casa dos 27,2 ºC, mas no passado já foi registado, por exemplo, o valor de 34,1 ºC. «O que importa aqui ressalvar é que no mês de Outubro posso ter um dia ou dois com 34 ºC e depois a temperatura baixar para os 23º/22 ºC e a média ser, no fim, muito diferente daquela que temos agora», destacou o nosso interlocutor.
Feitas as contas, é fácil concluir que nos últimos anos se vem acentuando o aumento da temperatura. «Nos últimos 40 anos, a temperatura média anual aumentou cerca de dois graus Celsius. Temos uma circulação geral da atmosfera que dá origem a situações sinópticas com ventos de sudeste mais frequentes e mais quentes, associados às actividades antropogénicas que poderão dar origem a estes valores registados, sendo de referir que o aumento da temperatura média do ar anual no Funchal tem aumentado desde o início dos anos 70 em cerca de 2 graus», comentou Victor Prior.
Verão de S. Martinho está garantido
Outro dado importante prende-se com a precipitação. Aqui, os valores médios são superiores àquele que é considerado o valor normal (1971-2000) em 15,6 mm (milímetros). Assim, passou-se de 80,9 mm para 96,5 mm em Outubro de 2009, sendo que estes valores dizem respeito, sobretudo, a uma concentração da precipitação nos primeiros sete dias do mês, quando a Região foi assolada por mau tempo. Os valores máximos diários estão abaixo do normal porque já foi registado no mês de Outubro 91,7 mm e o que foi registado este ano aponta para 28,1 mm.
Os dias contínuos de humidade elevada também não são uma novidade na Região. Victor Prior diz mesmo que é uma situação normal e que os valores são semelhantes com o passado. «A questão é que as pessoas sentem-na mais quando está mais calor. Como Outubro foi considerado um mês quente, a temperatura e a humidade estão associadas ao desconforto», esclareceu.
Aliás, a este propósito, salientou que não se esperam novidades nos próximos dias e o Verão de São Martinho vai voltar a marcar presença. Isto porque o vento de sul-sudeste continua a arrastar uma massa de ar quente, o que determinará a continuidade do bom tempo e das temperaturas elevadas, embora se prevendo uma pequena descida da temperatura, mas não muito acentuada.
Questionado relativamente à aluvião que em 1993 devastou a cidade do Funchal, Victor Prior considera que «se tratou de um episódio de precipitação intensa», mas sublinhou que situações idênticas continuam a ocorrer nos dias de hoje, por vezes a escassos quilómetros da Madeira, em pleno Atlântico. «Ocorrem todos os anos, ao largo, no mar. Vejo pelas previsões numéricas e imagens de satélite que é frequente ocorrer, muitas vezes, a uma ou duas centena de quilómetros da Madeira, com valores de intensidade de precipitação elevadíssimos. Mas, esse tipo de situação ocorreu no passado. Não é muito frequente, mas temos de estar sempre preparados», alerta.
Victor Prior diz que se fala muito em alterações climáticas, mas o responsável não concorda muito com o termo. Prefere falar em variações. «Uma alteração é algo que é brusca, pelo que assumo que existem variações que começam a ser significativas e que resultam, em larga medida, da actividade antropogénica, nomeadamente, poluição atmosférica.
A este propósito, diz que urge «pensar um futuro sustentável e que sejam tomadas medidas que levem a que este aumento de temperatura que se verifica a nível mundial seja reduzido o mais rapidamente possível, pois de outra forma não poderemos viver no planeta. Será uma catástrofe».
Instalações em obras
Nos últimos meses, o Observatório Meteorológico tem vindo a “reforçar-se” em termos de investimentos. Ainda na terceira semana de Setembro, foram colocados dois novos aparelhos, para a leitura do tempo presente, estando um deles localizado no Pico do Areeiro, tendo a capacidade de dar com exactidão a informação de, por exemplo, queda de neve. Uma situação que antes não acontecia, sendo que a informação chegava, muitas vezes, pela comunicação social. «Ainda estão em testes, por forma a que se possa validar o resultados e afinar os algoritmos. Contudo, a sua entrada em funcionamento irá ocorrer dentro de semanas», disse Victor Prior.
A sede no Funchal, as instalações dos centros meteorológicos nos Aeroportos da Madeira e Porto Santo, assim como outras (entre elas, a do Pico do Areeiro estão a ser alvo de melhorias, tendo em vista dar mais elegância ao serviço. «Começamos por instalar duas estações meteorológicas - uma na zona da Santa e outra na Ponta de São Lourenço -, os dois equipamentos de tempo presente, foi posta a funcionar uma estação clássica no aeroporto da Madeira e, esta semana, foi concluído, também, um parque meteorológico no Porto Santo. Agora, é o próprio Observatório que está a ser alvo de melhorias, nomeadamente ao nível do interior», confirmou Victor Prior.
Observatório vai passar a contar com dois meteorologistas
A falta de meios humanos constituí uma das lacunas do Observatório do Funchal, que está em vias de ser colmatada, com a entrada de mais pessoas. Neste momento, existem três observadores na sede do Funchal, a que se junta o delegado e mais uma administrativa, enquanto que nos centros meteorológicos instalados nos aeroportos da Madeira e Porto Santo existem outros cinco observadores (cada).
Entretanto, no passado dia 15 de Outubro entraram para estágio dois novos técnicos - um para o Porto Santo e outro para o Funchal - e no dia 9 de Novembro apresenta-se uma meteorologista. «É uma pessoa jovem, Mafalda Garcia Morais - 23 anos - recém licenciada em Meteorologia e Oceanografia, para nos dar apoio. Penso que, daqui por dois meses, antes do fim do ano, virá o outro. Será uma mais valia para a Madeira, nomeadamente, para a Protecção Civil e até para a comunicação social ter durante o período normal de trabalho um meteorologista a quem se dirigir e que acompanha a 100 por cento a situação meteorológica da Madeira», revelou.
Nenhum deles é madeirense e Victor Prior sublinha que no decorrer do concurso não compareceu ninguém residente na Região.
Apelo a maior envolvimento da comunidade científica
Victor Prior defende que era importante ter na Madeira uma comunidade científica que se dedicasse a estudos meteorológicos e climatológicos. «Tem que haver uma componente científica que se dedique a esta parte da ciência que é super importante e útil, não só para o apoio diário, mas para outras situações», dando como exemplo, o estudo do próprio mosquito “aedes aegypti” ou dos pólens.
«Tenho mantido contactos com a Universidade e penso que estão abertos a utilizar a informação e os dados meteorológicos para estudos de investigação», salienta, todavia, o delegado. «Se o observatório tem dados de nove estações meteorológicas, a informação é importantíssima, não só para estudos de clima e previsão. Ainda na semana passada forneci dados dos últimos anos para estudos na área da floricultura e fruticultura. Sei que as pessoas, em particular a comunidade científica, estão entusiasmadas e penso que é bom início para que haja uma componente científica mais aberta nesta área», acrescentou o mesmo responsável.
Ao JM avançou também que o Observatório cedeu a Manuel Biscoito, da Estação de Biologia Marinha, os dados dos valores diários dos últimos anos, tendo em vista um estudo sobre os mosquitos. «Não há muitas dúvidas da relação tempo/procriação e estes. Agora, é preciso investigar e demonstrar essa realidade. Estou aqui há quase um ano e tenho sentido que este ano tem havido um maior número de picadas. É qualquer coisa que não se pode anunciar empiricamente, mas que é preciso estudar e mostrar que há uma relação temperatura/humidade e este mosquito, que incomoda», disse.
Revelou também que o Observatório tem prestado apoio, a uma empresa do continente, no sentido de fornecer dados da radiação solar global relativos ao Porto Santo, tendo em vista a eventual instalação no local de um parque fotovoltaico.
Jornal da Madeira
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