sábado, 5 de junho de 2010

Entrevista com Rocha da Silva





Assinala-se, hoje, o Dia Mundial do Ambiente, num ano que é também dedicado à biodiversidade.

A nossa biodiversidade e a nossa floresta estão de saúde? Podemos afirmar que a Madeira continua a ser uma referência mundial em termos de biodiversidade.

Estamos melhor? Se estivermos a falar da nossa floresta natural e tivermos em conta os dados que eram oficiais em 1972 e que apontavam para 12 mil hectares de floresta natural, hoje constata-se que estamos quase a atingir os 17 mil hectares. Estamos, por isso, bem melhor.





Em termos de 'ataques à biodiversidade, fala-se, por exemplo, do radar e da implicação na freira da Madeira e ainda do teleférico para o Rabaçal. É possível manter a qualidade da floresta com estas intervenções em zonas naturais? Em termos globais, sim. Penso que qualquer um dos casos que acabou de citar não afecta, em termos globais, a qualidade do nosso bem.
Obviamente, localmente sempre que há uma intervenção, essa intervenção manifesta-se. Mas globalmente estamos a falar de um bem com cerca de 17 mil hectares.
E quanto ao Rabaçal, está suspenso neste momento. Embora em termos de localização, e referindo os próprios peritos da UNESCO que aí vieram, é algo que fica no limite dos locais onde a floresta se encontra mais próxima do seu equilíbrio.



O teleférico do Rabaçal está suspenso para sempre, ou será para retomar mais tarde? Penso que estas coisas dos homens nunca são definitivas. Quem sabe se daqui a uma, duas, três gerações...

E se dependesse de si uma decisão? Se a decisão dependesse de mim, veria o Rabaçal como um sítio com muitas possibilidades. É o único local que tem quatro levadas. Chega a ter mais de 800 visitantes por dia e está marcado pela presença humana. É claramente um local a ter em linha de conta no sentido de obter maiores ganhos, maior distribuição de riqueza, aproveitando as belezas naturais da Madeira.
Eu vejo o Rabaçal como um local gerador de emprego. Aliás, a prova dessa possibilidade é o meio de transporte que a Câmara Municipal da Calheta lá tem e que transporta mais de 30 mil pessoas por ano.
Tudo isto para dizer que o Rabaçal merece um plano que preveja um certa evolução para o local, a criação de postos de trabalho, mas tudo isto numa perspectiva de qualidade.

Em relação ao radar no Pico do Areeiro, como vê as declarações do geógrafo Raimundo Quintal que fala na Bela, referindo-se ao Pico do Areeiro, e no Monstro, referindo-se ao radar? Estou tentado, por uma questão sentimental, a assinar por baixo da afirmação do dr. Raimundo Quintal. E digo-lhe por uma questão sentimental porque já vou tendo alguma idade e conheci o Areeiro sem que a estrada passasse do Poiso para cima. Portanto, sou uma testemunha do que era o Areeiro, do que era o Paul da Serra sem qualquer acesso automóvel. De maneira que ainda tenho aquela nostalgia do passado.
Efectivamente para qualquer um de nós, ou pelo menos para aqueles que conheceram o Areeiro sem qualquer intervenção, naturalmente essa expressão da Bela e do Monstro faz sentido.

Concorda que a Floresta pode ser também um negócio? Falo disto porque na Assembleia o próprio engenheiro já foi criticado por ter negócios em área de floresta. Não tenho nenhum!

Mas lembra-se da oposição ter falado nisso? O que inventam, o que dizem é algo que me ultrapassa.

Mas concorda com o conceito de floresta/negócio? Quer por razões de segurança das pessoas, que muitas vezes se metem sozinhas em áreas que desconhecem, quer para evidenciar as virtudes da nossa floresta, acho que a visita à nossa floresta tem de ser praticada por quem a entende. Mas isso reduziria o uso da floresta a uma certa elite de técnicos que a conhecem. E aí entendo que é uma área de negócio. Isto no sentido de que é através da floresta que se poderá conseguir uma maior distribuição de riqueza. A montanha deve ter uma perspectiva de defesa de usos e costumes das populações, bem como constituir uma forma de distribuição equitativa de riqueza.

Disse que a floresta deve ser explorada por quem a conhece. Neste momento há pessoas a explorar que não a conhecem? Evidentemente. São as regras actuais do mercado. Temos guias cá na Madeira que vêm de todo o espaço europeu e não só. Que muitas vezes na primeira vez que cá vêm, na qualidade de visitantes, tiram notas e elaboram determinados circuitos e programas que depois vendem por essa Europa. São simples livros de bolso com informação sintetizada que expõe as pessoas a determinados riscos.

Isso põe em causa o nosso destino? Pode contribuir para uma imagem menos boa do nosso destino. Embora as pessoas, muitas vezes, corram riscos por sua conta.

Em termos de passeios nas serras, o princípio do utilizador/pagador, como existe em Canárias, poderia ser aplicado na Região? Canárias explora isso. Mas nós temos particularidades. O facto de muitos desses espaços serem privados levanta muitas questões. Mas isso não significa que seja um dossier encerrado. Pessoalmente, taxar simplesmente a passagem de alguém choca-me um pouco.
Agora se for numa lógica de prestação de serviços, de passeios acompanhados, é algo que deveria acontecer e é legítimo que aconteça.

Em Canárias, com meia dúzia de endemismos, fazem um autêntico festival na divulgação. Nós aqui temos dezenas e dezenas, há quem diga que são pouco divulgados. Como se poderia inverter esta situação? Não sei se será saudável inverter. Canárias tem uma realidade completamente diferente e dois milhões e meio de habitantes.
Mas provavelmente eles também não deverão estar a mostrar as partes mais íntimas da floresta. Pois entendo que essa divulgação pode não ser saudável porque estamos num mundo em que temos coleccionadores para tudo. Por exemplo, no Ribeiro Frio existe uma planta endémica que está dentro de uma caixa fechada, porque há coleccionadores de orquídeas selvagens que pagariam muito dinheiro. Portanto, termos a nossa estrutura ecológica aberta dessa forma, não sei se seria saudável.

No passado 20 de Fevereiro, a desgraça veio do alto. A floresta que temos ainda nos protege, ou já perdemos muito desse tampão protector? Eu sei que nessa altura se escreveu muita coisa. Mas, em primeiro lugar, se atentarmos à orografia da ilha, vemos que mesmo sem o homem cá estar estas coisas já aconteciam. Todos estes vales foram talhados com fenómenos daquele género.
Globalmente, a floresta é sempre um factor de segurança. Eu não tenho dúvidas nenhumas em afirmar que se não houvesse floresta, a situação teria sido bem pior.
Por exemplo, no Curral das Feiras, houve relatos da população a dizer que as águas vinham limpas. Mas se fosse antes da retirada dos animais que andavam pelas encostas, a catástrofe seria muito pior.

A propósito, foi muito criticado pelo abate daquele gado após o temporal. Não se arrepende disso? A questão do gado acabou oficialmente em 2003.
Esse abate foi um mês e meio depois dos temporais, e o abate é um processo que vem desde essa retirada em 2003. Na altura, o governo tomou a decisão de indemnizar, como se de uma propriedade se tratasse, e pagou principescamente. Foram cerca de 37 contos e 500 por cabeça e o facto das pessoas terem ficado com a carcaça e com a carne para vender significou um rendimento na ordem dos 50 contos. Quando, na melhor das hipóteses, valeria 15 contos no mercado.
Isso fez com que as pessoas aderissem, porque estavam cansadas de serem roubadas. Porque o gado na serra era motivo para muitas histórias. Esta retirada do gado destruiu a estrutura que havia à volta do gado.

Considera uma vitória? Não! A minha ligação com os pastores e criadores de gado não me permite usar essa expressão, porque são pessoas com quem convivo no dia-a-dia.
O que não podemos é voltar atrás. Se tivéssemos permitido isso no temporal de 20 de Fevereiro, era o que teria acontecido. Iria levar a que paulatinamente os animais fossem voltando às serras. E quem voltaria a lá colocá-los seriam precisamente aqueles que antes andavam a roubar os outros, aqueles que, inclusivamente, prometem porrada. Era o mais forte, porque se outro qualquer for lá colocar, os animais desaparecem e, na eventualidade de uma queixa, os mais fracos ainda levavam um enxerto de porrada.
Ao permitir isso, a 20 de Fevereiro, estaríamos a fomentar a clandestinidade e o caos. Já para não falar das pessoas que foram vítimas, ao longo dos anos, da presença dos animais nas serras, que destruíam as culturas.

Num outro plano, não se vê agora o mesmo empenho no combate às plantas infestantes? A dinâmica não abrandou, mas a realidade alterou-se. Mesmo ao nível dos recursos humanos. A simples alteração das leis laborais tem um efeito tremendo na forma como as coisas decorrem quando estamos a falar de trabalhos no terreno. Arranjar uma vereda entre o Pico Ruivo e a Encumeada, que leva cinco horas a percorrer, é difícil, porque leva o tempo útil de trabalho quase só a fazer o trajecto. Devo dizer que quando entrei nos serviços florestais, na zona do Poiso havia à volta de 120 homens, hoje tenho lá quatro ou cinco. Mas era porque na altura havia o trabalhador eventual, que era algo que deveria voltar a ser implementado. Por exemplo, em 1983, no Curral das Freiras, foi-me comunicado um incêndio numa sexta-feira, as 11 horas da noite, e eu, no sábado, às oito da manhã, tinha lá 60 homens a combater as chamas.
Agora as coisas são diferentes. Tivemos de elaborar o inventário florestal, estamos a ultimar uma carta de uso dos solos e realizámos uma série de estudos sobre as 100 espécies 'top' de invasores. Uma série de instrumentos que nos vão permitir elaborar, com credibilidade, projectos para serem financiados.

O Verão está a chegar, o que está a ser preparado para evitar os incêndios? Costumo ser sempre muito comedido quando falo da questão dos incêndios. Posso estar aqui a falar para o cidadão conscencioso e que até quer participar na protecção do seu meio, mas tenho de ter consciência de que também estou a prestar informações a quem quer pegar lume.
Contudo, posso dizer que a Região tem reforçado o corpo de bombeiros e apostado na educação ambiental. Agora, qualquer coluna de fumo que apareça na paisagem é logo denunciada.


DN Madeira

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