Após dois meses de negociações
A nova lei de finanças regionais foi ontem aprovada com os votos a favor de toda a oposição e do socialista madeirense Luís Miguel França e os votos contra do resto da bancada do PS.
A meio da tarde, depois de mais um intenso dia de debate, o presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, anunciava o resultado. Sem abstenções, a lei passou com 127 votos favoráveis e 87 contra.
Ao longo do debate, o Partido Socialista manteve-se irredutível na posição, repetindo os argumentos usados na discussão na Especialidade e reproduzindo também as “advertências” do ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, que no dia anterior, numa declaração ao país, desfez a dúvida sobre a sua demissão – não sai –, garantiu que o país não ia compreender mais transferências para a “despesista” Madeira e assumiu que tudo fará para que, ao abrigo da Lei de Estabilidade e Orçamento, sejam travadas as transferências que a nova lei de finanças agora contempla, recorrendo para tal aos instrumentos legais e políticos que tiver ao seu alcance.
Apesar de caber ao ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão e não Teixeira dos Santos a defesa do Governo da República no parlamento nacional, o nome do ministro das Finanças foi muito falado no hemiciclo, com o Bloco de Esquerda, através de Luís Fazenda, a considerar que se tratou de uma «encenação grotesta» o ministro ter alertado para o «impacto negativo» que a aprovação da lei teria para os mercados internacionais.
O argumento de que a Madeira já tem um PIB per capita superior à média nacional também foi rebatido pelo bloquista. Para Fazenda, essa é uma «ideia completamente demagógica» pois ninguém pensa que não haverá mais investimento em Lisboa, por esta ser a região mais rica do país.
O ministro dos Assuntos Parlamentares não se deixou impressionar e disse que a aprovação da lei seria uma «enorme irresponsabilidade» da oposição e uma «enorme contributo para o desvario» das contas públicas.
«Xenofobia
inter-regional»Luís Fazenda retomou a palavra para acusar o PS de «xenofobia inter-regional». Em defesa da honra, Francisco Assis, líder da bancada socialista, que admitiu vir a pedir a averiguação da constitucionalidade do diploma ontem aprovado, produziu um «veemente protesto» contra a afirmação de Fazenda e acusando o Bloco de se ter transformado «na ala esquerda parlamentar de Alberto João Jardim».
O pingue-pongue argumentativo terminaria com o BE a acusar a bancada do PS de ser o «insultador mor» na Assembleia da República e de os socialistas estarem a «procurar o ódio» entre as regiões portuguesas.
Por seu turno, o PCP, através do deputado António Filipe, considerou de «enorme gravidade política» que o Executivo não queira cumprir a lei ontem aprovada.
Numa referência à comunicação ao país de Teixeira dos Santos, o comunista declarou que «dizer que o Governo há-de encontrar caminhos legais para impedir [a aplicação da lei] é uma afirmação de enorme gravidade política. Quem tem legitimidade para decidir sobre a forma de aplicação dos recursos públicos é a Assembleia da República e não o Governo», afirmou o deputado.
Mais tarde, a presidente do PSD falaria sobre o assunto para criticar o Governo por pretender impedir a aplicação da nova Lei de Finanças Regionais, dizendo que enquanto ministra Finanças jamais pensou em «não executar uma lei democraticamente aprovada» no Parlamento.
«Nunca me atravessou o espírito como ministra das Finanças não executar uma lei democraticamente aprovada na Assembleia da República», declarou Manuela Ferreira Leite aos jornalistas, no Parlamento.
«Não houve crise,
houve um simulacro»
Mas no hemiciclo a oposição também criticou a «encenação de uma crise» do governo.
«Não houve crise, houve um simulacro. O Governo ficou a saber que a mentira e chantagem não compensam e que não nos intimidam com ameaças de crise política», afirmou António Filipe, considerando que o executivo liderado por José Sócrates é, actualmente, «um factor de instabilidade política».
O ministro dos Assuntos Parlamentares, Jorge Lacão, manteve-se firme e insistiu que o Governo procurará «limitar os limites de endividamento» e controlar as transferências do Estado para as regiões autónomas, tal como Teixeira dos Santos havia anunciado.
Na resposta, o líder parlamentar do PSD, Aguiar Branco, acusou o Governo de dar «prioridade aos humores e lógicas partidárias» e de ensaiar «uma imagem de dramatização» para «arranjar um pretexto para fugir às responsabilidades».
A oposição também recusou um dos argumentos principais do ministro Jorge Lacão, rejeitando que, com as alterações, se somem 400 milhões de euros de endividamento em 2013 para as duas regiões.
«No primeiro ano há limite máximo de 50 milhões de euros, nos outros anos é um valor apurar em sede do Orçamento do Estado. A incoerência do ministro é total. Para o próximo ano, em sede do OE alterará o que entender», disse o Bloco de Esquerda.
Por seu turno, a deputada do CDS-PP Assunção Cristas, afirmou que «todos estes ziguezagues foram condimentados com ameaça de crise política iminente numa atitude de chantagem sobre o parlamento», salientando, ainda, que a revisão das finanças regionais veio mostrar uma divisão dentro do PS e o Governo.
Assunção Cristas vê a intransigência do Governo neste episódio como «uma birra. O Governo exige às regiões o que não impõe para si próprio», criticou, sugerindo cortes nos «desperdícios» do Estado.
Do mesmo modo, a deputada do PEV Heloísa Apolónia considerou que a oposição do Governo e do PS às alterações às finanças regionais explicam-se por «uma birra pessoal, uma teimosia» do Governo contra Alberto João Jardim, e afirmou que «um país não se governa com birras e ameaças».
Lei de Enquadramento Orçamental
A Lei do Enquadramento Orçamental pode determinar transferências e limites de endividamento inferiores aos previstos em leis específicas, como a das finanças regionais, caso se verifiquem circunstâncias especiais que ponham em causa o Programa de Estabilidade e Crescimento. A lei invocada pelo ministro para fazer travar as transferências e conter o endividamento diz, no seu artigo 88.º, que «a lei do Orçamento pode determinar transferências do Orçamento do Estado de montante inferior àquele que resultaria das leis financeiras especialmente aplicáveis a cada subsector, sem prejuízo dos compromissos assumidos pelo Estado no âmbito do sistema de solidariedade e de segurança social».
Isto para «assegurar o estrito cumprimento dos princípios da estabilidade orçamental e da solidariedade recíproca, decorrentes do artigo 104.º do Tratado que institui a Comunidade Europeia e do Pacto de Estabilidade e Crescimento".
«A possibilidade de redução prevista no número anterior depende sempre da verificação de circunstâncias excepcionais imperiosamente exigidas pela rigorosa observância das obrigações decorrentes do Programa de Estabilidade e Crescimento e dos princípios da proporcionalidade, não arbítrio e solidariedade recíproca e carece de audição prévia dos órgãos constitucional e legalmente competentes dos subsectores envolvidos», explicita o número 2 do mesmo artigo.
Quanto aos limites de endividamento, diz o artigo 87.º da mesma lei que, «em cumprimento das obrigações de estabilidade orçamental decorrentes do Programa de Estabilidade e Crescimento, a lei do Orçamento estabelece limites específicos de endividamento anual da administração central do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, compatíveis com o saldo orçamental calculado para o conjunto do sector público administrativo». E acrescenta que esses limites de endividamento «podem ser inferiores aos que resultariam das leis financeiras especialmente aplicáveis a cada subsector».
Audição não é tema pacífico
O presidente da Assembleia Legislativa da Madeira, Miguel Mendonça, confirmou ontem ter recebido um pedido de parecer sobre o texto final da nova lei de finanças regionais, mandado pelo presidente da Comissão Especializada Orçamento e Finanças, Mota Pinto, anteontem às 23h45.
Depois de se ter informado, Miguel Mendonça disse aos jornalistas que «há constitucionalistas que entendem que não é necessário a Assembleia Legislativa da Madeira emitir parecer neste caso concreto, porque já emitiu parecer na fase de discussão na generalidade da lei e, portanto, estará dispensada de emitir mais pareceres por cada alteração à lei que venha sendo feita na Comissão Especializada». Mas há também outra corrente de opinião que entende que a Assembleia da Madeira deve ser ouvida e emitir parecer.
Por outro lado, e já comentando a declaração ao país do ministro Teixeira dos Santos, anteontem à noite, Miguel Mendonça ficou com a ideia, pelo que ouviu, de que o ministro «não morre de amores por nós. Isto não é o discurso da vitimização, do coitadinho, mas penso que não morre de amores pela Madeira». São «ressentimentos pessoais», justificou.
Parecer favorável
O Governo Regional da Madeira deu ontem parecer favorável à redacção da lei das finanças regionais, antes de ser aprovada no plenário e já depois de ter passado na comissão de Orçamento e Finanças pelos partidos da oposição, sugerindo algumas alterações.
«Apesar das alterações introduzidas em sede de comissão de Orçamento e Finanças reduzirem, nalguns casos, de forma substancial, a reparação da injustiça decorrente da presente lei aprovada em 2007, tendo em linha de conta a votação indiciária expressa pela maioria dos partidos, dá o seu parecer favorável à actual redacção», refere o documento.
«Pôs portugueses contra portugueses»
O deputado madeirense do PSD Guilherme Silva acusou ontem o Governo da República de pôr portugueses contra portugueses, devido à revisão da lei de finanças.
Na última intervenção antes da votação final global, Guilherme Silva começou por dirigir-se aos açorianos para lhes dizer não confunde «o povo solidário dos Açores com um governo que, ocasionalmente, está a dirigi-lo, fomentando um divisionismo que jamais existiu nas autonomias regionais».
Depois, direccionou as suas palavras para os portugueses do continente, afirmando que também sabe da «solidariedade da alma do povo português» a qual «é desrespeitada por este Governo».
«Essa solidariedade é recíproca por parte dos madeirenses», garantiu-lhes o deputado do PSD. Finalmente aos madeirenses disse-lhes que «a coisa mais sagrada que há é este voto que delegaram em nós, neste mandato. E a força que este voto nos deu para resistir a todas as chantagens de um governo que não tem o respeito pela dignidade do povo que o elegeu».
Guilherme Silva prestou ainda «homenagem a todos os Presidentes da República e a todos os primeiros-ministros da nossa democracia», dizendo que, apesar das «muitas divergências e diferenças», todos souberam «respeitar aquilo que é mais importante em todos nós: a unidade nacional, a solidariedade entre portugueses, o respeito pela Constituição».
Agora, e pela primeira vez, «o Governo da República quebrou» essa unidade, lamentou o deputado, considerando que o governo de José Sócrates fê-lo de «uma forma que não magoa apenas os madeirenses», visto que o comportamento de todos os partidos à excepção do PS revela que «magoa todos os portugueses e que, se calhar, magoa e magoará acima de tudo aqueles que, por engano, votaram no PS».
«Senhor ministro dos Assuntos Parlamentares, a pior coisa que se pode fazer a uma país é dividi-lo, é, neste caso, pôr portugueses contra portugueses e é isto que este governo tem feito desde a malfadada lei que aprovou aqui sozinho, em 2007», salientou.
«Eu tive a honra de integrar o grupo de trabalho que elaborou a primeira lei das regiões autónomas e foi um madeirense (o próprio Guilherme Silva) que propôs que se adicionassem o quociente de nove décimos para que os Açores, que têm nove ilhas, tivessem mais transferências do que a Madeira. É isto senhor ministro, que o senhor ministro e o seu governo e o senhor primeiro-ministro não percebem. É esta solidariedade que temos de ter todos entre nós. Não há açorianos, não madeirenses, não há continentais. Há portugueses. E é Portugal que vamos aprovar aqui. Infelizmente, sem a comparticipação do partido do governo», disse, momentos antes da aprovação da lei.
Comportamento do PS foi inaceitável
O deputado madeirense do CDS/PP na Assembleia da República, José Manuel Rodrigues, considerou «inaceitável» a postura adoptada pelo PS e pelo Governo da República em todo o processo de revisão da lei das finanças regionais.
José Manuel Rodrigues diz que a lei é «justa, razoável e equilibrada», destacando o «papel difícil» desempenhado pelo CDS neste processo, que teve como objectivo promover uma «cultura de aproximação, diálogo no sentido de haver o máximo consenso à volta da lei, tentando que o Governo e PS apresentassem propostas».
«Mas, ao contrário, o PS e o Governo mostraram desde o início que não estavam interessados na revisão da lei ou por birra política, depois passaram à ameaça de uma crise política se fosse aprovada que passou a ameaça sobre constitucionalidade e ilegalidade da lei e até de castigo da Madeira no próximo Orçamento de Estado, o que é claramente inaceitável», declarou.
Rodrigues garantiu ainda que a nova lei não compromete de forma nenhuma as finanças públicas em Portugal.
«Sinto-me feliz até»
O deputado madeirense Luís Miguel França foi o único socialista que votou a favor da nova lei de finanças regionais, desrespeitando a disciplina de voto que tinha sido imposta pelo PS.«Aquilo que há entre o deputado eleito da Madeira e o grupo parlamentar é um ponto de vista diferente em relação a esta matéria», assumiu Luís Miguel França, em declarações ao Jornal da Madeira, explicando que o seu sentido de voto se deveu a uma «questão de consciência», às «lacunas» da actual lei em relação à Madeira e ao facto de o PS-Madeira ter votado favoravelmente a proposta de revisão da lei de finanças regionais, na Assembleia da Madeira.
Miguel França revela, por outro lado, que já tinha prevenido o presidente do grupo parlamentar, Francisco Assis, para a decisão que tinha tomado, mas ainda assim não recebeu liberdade de voto. «Acabei por furar a disciplina», disse, não sabendo agora se poderá sofrer, ou não, alguma sanção.
«Aquilo que sei neste momento é que me sinto bem. Sinto-me feliz até. Sinto-me de consciência tranquila, porque votei de acordo com a minha consciência. O pior que eu poderia fazer era violentar a minha consciência e trair os eleitores que me elegeram e toda a população da Madeira. Portanto, isso sobrepõe-se a todo o resto», disse, assumindo que o restante são «pequenos pormenores».
Jornal da Madeira
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