O Presidente do Banif - Grupo Financeiro faleceu ontem num hospital de Lisboa
Data: 20-05-2010
O comendador Horácio Roque, presidente do Banif - Grupo Financeiro, faleceu ontem em Lisboa, aos 66 anos de idade. Estava internado desde o passado dia 4 de Março, na unidade de cuidados intensivos do Hospital de São José, onde entrara vítima de um acidente vascular cerebral (AVC). O seu estado mantinha-se crítico e o prognóstico médico foi sempre reservado. A família pediu descrição no tratamento das notícias sobre a sua doença. Horácio Roque nasceu em 1944 em Mogadouro, município de Oleiros, distrito de Castelo Branco. Aos 14 anos partiu para Angola, sozinho, num navio de carreira, onde começou a trabalhar numa mercearia em Luanda, e estudava à noite. Aos 18 anos já era sócio de uma cervejaria. Poucos anos depois foi convidado para funcionário administrativo do Colégio Viriato, um dos mais prestigiados estabelecimentos de ensino particular da capital angolana. Em pouco tempo assumiu a gestão e propriedade do colégio e criou outros dois negócios congéneres e uma unidade fabril. Em Abril de 1974, quando os militares tomaram o Poder em Portugal, Horácio Roque já tinha investimentos no sector imobiliário, em Angola, onde se manteve até 1976, altura em que começou a desenvolver a sua actividade empresarial na África do Sul, onde detinha participações em empresas de diversos sectores da economia. Por via da amizade e parceria empresarial com o madeirense Joe Berardo (na altura empresário no sector mineiro de extracção de ouro), Horácio Roque investiu na Madeira a partir da década de oitenta. A nossa ilha passou a estar no seu roteiro de investimentos, quando decidiu voltar a Portugal, onde criou diversas empresas e investiu forte nos sectores imobiliário, indústria, serviços, turismo, comércio internacional e na banca e seguros. Através das suas holdings pessoais - as sociedades anónimas Rentipar Financeira-SGPS, Rentipar Indústria-SGPS, Rentipar Seguros SGPS e Rentipar Investimentos SGPS - Horácio Roque participava actualmente em vários sectores da economia em Portugal, Reino Unido (detém com Américo Amorim a Finpro), África do Sul e América do Norte e do Sul. Na área financeira, Horácio Roque presidia ao Banif-Grupo Financeiro, do qual era accionista maioritário e que inclui, designadamente, sociedades das áreas da banca, seguros, leasing, aquisições a crédito, corretagem e gestão de fundos, não só em Portugal continental, como nas duas Regiões Autónomas. O sector da banca expandiu-se para fora do País, com participações e ligações a instituições de crédito no Brasil, Espanha, Malta, Cabo Verde e alguns países da antiga 'Cortina de Ferro'.
Na Madeira, além da sua bem conhecida ligação ao Banif, Horácio Roque era também presidente do Conselho de Administração da SEIT Savoy e da Empresa Madeirense de Tabacos. Era um grande apaixonado pela nossa ilha. Poucos dias antes de adoecer dera a cara pela campanha de reconstrução da ilha, depois dos temporais de 20 de Fevereiro. Muitas vezes era apontado como madeirense - ainda ontem a comunicação social nacional o referia como tal - mas na verdade não nasceu na Madeira. Contudo, a sua ligação e dedicação à Região Autónoma eram muito fortes, como aliás prova a sua actividade e os testemunhos que ontem foram chegando de diversas entidades.
A Fundação Horácio Roque, à qual o banqueiro presidia, foi criada em 1991, com o objectivo de desenvolver actividades nas áreas educativa, social e cultural, e a sua acção fazia-se sentir também na Madeira. O empresário foi por várias vezes condecorado, recebendo, entre outras, a Comenda da Ordem do Infante D. Henrique (1988), recebida do Presidente da República.
Horácio Roque cultivava um excelente relacionamento com os jornalistas e a Imprensa em geral. Além da cordialidade e lealdade que o caracterizavam, era um excelente comunicador.
Memórias: Milionário desprendido
"O Banif será tão bom ou melhor depois de mim do que é agora comigo". Este desabafo de Horácio Roque tem cinco anos, mas ganha hoje um outro significado e dimensão. Está escrito na única grande entrevista que lhe fiz, publicada no DIÁRIO a 23 de Maio de 2005, e é revelador da nobreza do seu carácter.
O desprendimento construtivo era uma das suas imagens de marca. Apesar de comendador não tinha apetência especial por títulos. "Vive-se com eles", dizia, preferindo ser notado a outros níveis. Uma das sua regras de ouro era não chegar atrasado, nem fazer esperar ninguém. Outra era assumir apenas os compromissos que tinha quase a certeza que iria cumprir.
Por esses dias, a revista 'Exame' colocava-o na 15ª posição da tabela dos milionários portugueses, com uma fortuna estimada em 376,8 milhões de euros. Riu-se do ranking. Desvalorizava algo que entendia não ser quantificável.
Não fazia da sua sucessão um tabu. Vivia sossegado com a continuidade assegurada pela estrutura executiva que dinamizava as directrizes da Banif SGPS. Puxava a máxima que "as pessoas passam e as instituições ficam". Só que Roque também ficará.
A triste notícia não apaga a memória da conversa em que pediu "uma política económica de verdade" e empenho. Dava o exemplo. Não raras vezes entrava na sede central do Banif, na avenida José Malhoa, às oito e meia da manhã e de lá só saía 12 horas depois. Uma dedicação justificada: "Sou daqueles que acreditam que é bom que as coisas sejam vistas com os pés. Por isso, faço questão de estar perto dos acontecimentos". Saibamos estar próximos daquilo que é elementar, à imagem do empresário de sucesso que sempre soube dar.
Madeirense nascido fora
A amizade com os ilhéus Joe Berardo e Tony Barradas na África do Sul faria de Horácio Roque, 'empresário madeirense nascido no Continente', o obreiro principal da reclamada criação (1988) de um banco no arquipélago.
Até então, o alvoroço por essa conquista gravitava à volta da Caixa Económica do Funchal (CEF). De início, movimentaram-se membros separatistas alegando ser necessário acabar com o "alto negócio para Lisboa" que consideravam ser o exercício da banca na Madeira.
Reuniões secretas no estrangeiro, campanhas junto das comunidades no exterior, planos tendentes a impedir a transferência para Lisboa de remessas dos emigrantes, defesa de autonomia monetária, transformação de grande parte do capital existente na banca insular em moeda estrangeira - vários expedientes ocuparam elementos independentistas, bancários de várias instituições, com vista à criação de um banco dominado por madeirenses capaz de fazer entupir o fluxo de dinheiro para a capital.
Tempos da CEF Os trabalhos clandestinos findaram com a extinção da FLAMA. A efervescência da vida bancária nos anos que se seguiram à Revolução de 1974, também. Mas o ideal de transformar em banco a Caixa da Associação de Socorros Mútuos 4 de Setembro de 1862 continuou em agenda. A inauguração da sede reconstruída da CEF, em Maio de 1983, fez disparar duras críticas sobre os governantes de Lisboa, acusados de impedir uma "adequada autonomia financeira".
Nessa época, a CEF "tinha um grande envolvimento com o Governo da Madeira", conforme recorda o antigo director regional de Finanças, Paulo Fontes, que viveu situações difíceis de Tesouraria só ultrapassadas com a ajuda do 'número um' da Caixa, Henrique Abrantes.
Miguel de Sousa, ao tempo secretário regional do Plano e Finanças, confessa mesmo que grande parte dos sustos financeiros com quebra de liquidez no interior da própria CEF resultavam do financiamento canalizado para o governo regional nesses primeiros anos. "Evidentemente que não havia crédito nos mercados financeiros a que pudéssemos recorrer", explica. Inconvenientes da banca nacionalizada.
Antes da reprivatização, o GR agarrava-se à CEF, madeirense, e ao BPA, que tinha presidente madeirense, Jardim Gonçalves. Essas 'bóias de salvação', como ilustra Miguel de Sousa, cobriam as dificuldades de Tesouraria do GR - porque muitas vezes foi preciso pedir dinheiro para pagar salários.
Enfim, um banco
Em fins de oitentas, a Caixa debatia-se com um passivo de 7 milhões de contos e derrapava para a falência. O próprio Alberto João Jardim instou junto do governo lisboeta para ajudar na solução - e assim evitar o caos de 1930. Mas onde arranjar dinheiro?
Roque e Berardo, donos da 'Madeirense de Tabacos', decidiram-se por uma OPV à empresa. A venda de uma parte minoritária rendeu dinheiro, graças à euforia bolsista (o 'gato por lebre' de Cavaco ainda não saíra a terreiro). E o capital adquirido ajudou a comprar o Savoy e a transformar a CEF em banco.
Miguel de Sousa lembra a corrida para evitar que interesses continentais tomassem então a Caixa. Um grupo de empresários do Norte andou perto, apesar dos 7 milhões negativos. "O ministro das Finanças, Miguel Cadilhe, simpatizava com a solução continental. A febre de abrir bancos era alta".
O Banif veio a trabalhar financeiramente com o GR da Madeira logo depois da sua criação, em 1988 (a CEF foi integrada no novo banco). "Horácio Roque desempenhou o papel principal nesse processo", diz Miguel de Sousa sobre o líder do grupo promotor encarregue da criação do Banif - Banco Internacional do Funchal.
O então governante também participara nas diligências para levar o governo de Lisboa a imprimir a assinatura na autorização. "Duras negociações no Ministério das Finanças, no Banco de Portugal...".
Horácio Roque compareceu à sede do novo banco, nesse 15 de Janeiro de 1988, na esquina das ruas João Tavira e Bispo. Estava ali como artífice e maior accionista do banco. Ao discursar, sonhou com uma grande instituição de crédito, de repercussão europeia. Arriscara, com 1 milhão e 600 mil contos para os 11 milhões necessários ao grande empreendimento. Joe Berardo, que sem vocação para banqueiro o acompanhara, também se apresentou com 1 milhão e 400 mil contos. O capital, ao contrário do desejo dos quadros da antiga CEF, não era maioritariamente madeirense - este ficava-se pelos 48% do total. O Estado foi participante no capital, tal como a EEM (pelo GR), a Cimentos Madeira e a Bonança. Com outros accionistas menores.
O Banif passava a ser o banco português com mais quantitativo de capital social. Sede no Funchal e 18 balcões na Madeira. Centro nevrálgico em Lisboa. Delegação no Porto. E 520 funcionários ao todo.
Brechas e enigmas
"O comendador era o mais madeirense dos não madeirenses e foi a solução madeirense para que tivéssemos um banco com sede no Funchal", insiste Miguel de Sousa.
Na abertura do Banif, em 1988, Horácio Roque fez votos para que o banco pudesse "enfrentar os desafios do mundo moderno" e também ser "motivo de orgulho das suas raízes madeirenses". Miguel de Sousa considera que ontem "morreu o maior empresário da Madeira", o homem que criou um banco madeirense cujo processo de criação "ninguém consegue contar todo, porque ninguém sabe tudo sobre a história do banco".
Uma história com hiatos e enigmas em todos os episódios do enredo, a começar pelos estrepitosos tempos em que a Caixa Económica do Funchal marcava a ordem do dia.
Dito
ALBERTO JOÃO JARDIM disse ontem que "Portugal perdeu um dos seus melhores empresários e sobretudo um patriota". O presidente do Governo Regional da Madeira confessou que a morte do comendador Horácio Roque "foi uma triste notícia" que representa "uma grande perda para o País". Acrescentou que também a "Madeira perdeu uma pessoa a quem muito deve, um grande amigo e alguém que estava sempre pronto a ajudar o povo madeirense".
ABP O presidente da Associação Portuguesa de Bancos (ABP), António de Sousa, salientou que Horácio Roque "foi uma pessoa muito importante na banca e nos seguros, no sector financeiro português".
CAVACO SILVA considerou que o fundador do Banif é um "exemplo de vontade de triunfar, de força e energia, de espírito empreendedor", um homem que "nunca se deixou vencer pela adversidade, nem se conformou com o destino das suas origens".
MICHAEL BLANDY presidente do Grupo Blandy e do Conselho de Administração do DIÁRIO, comentou que o comendador Horácio Roque fez muito pela nossa terra, considerando-o um grande amigo da Madeira.
MIGUEL MENDONÇA disse que a a morte de Horácio Roque "é uma perda para Portugal e para a Madeira". "É com profunda amargura que sinto a sua morte, tínhamos uma relação muito fraternal, éramos como irmãos", referiu.
ACIF "O comendador Horácio Roque foi um grande empreendedor e todos os empresários reconhecem o esforço que fez pela economia da Madeira", disse Duarte Rodrigues, presidente da Associação Comercial e Industrial do Funchal.
JOE BERARDO "É uma desgraça o que aconteceu, para mim era como um irmão", disse Berardo, comovido, escusando-se a fazer mais comentários. Horácio Roque e o madeirense José Manuel (Joe) Berardo eram sócios em vários negócios.
CARLOS CÉSAR manifestou pesar pela morte do banqueiro, considerando que se trata de uma "perda irreparável" para o sector empresarial financeiro português. O presidente do executivo açoriano destacou a sua "afabilidade e inteligência".
DN Madeira
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