sábado, 11 de abril de 2009

Tradições que marcavam o tempo da Páscoa

Recordações de actividades lúdicas que marcavam as épocas da Quaresma e da Páscoa e que, na actualidade estão a cair








A Longe vão os tempos em que a Quaresma e a Páscoa eram vividas em ambiente de profunda meditação. Até os espaços lúdicos ressentiam-se desta situação, pois os jogos tinham algo de muito específico. Entre estes constituía-se como imprescindível o jogo do pião.
Raro era a criança ou o jovem que não possuía um pião, mas também muitos eram os adultos que eram ases na arte de o lançar.
Na Quinta Grande, Fernando Cruz, muitas vezes participou em autênticas provas de resistência neste jogo. “Era, em especial na Quaresma e na Semana Santa que a gente jogava ao pião. Reunia-se um grupo de muitos rapazes e homens que se entretinham na estrada a jogar o pião para dentro de um círculo que na minha freguesia se chamava de mana. Quando o pião caia fora desse círculo era castigado com a sua colocação no centro da roda sendo depois atirados os piões até o partirem. E nisto se passava muitas tardes de animação."
Na actualidade como recorda Fernando Cruz "já quase não se vê ninguém a jogar ao pião. Esta foi uma tradição que foi desaparecendo, até porque hoje em dia há outras motivos para passar o tempo".
Também quem jogava ao pião era António Francisco na sua freguesia natal, São Vicente. Ali o nome dado ao círculo central onde deveriam cair o pião tinha o nome de roda.
Outros jogos eram característicos da Semana Santa como as pedrinhas, a bilhardeira, ou o lenço, sendo estes jogos próprios das meninas e raparigas.
Emigrante na Venezuela e no Reino Unido, António Francisco notou diferenças nas tradições naqueles dois países. Enquanto na terra de Simon Bolivar a Semana Santa era vivida com muito respeito, "a Sexta-feira Santa é passada com grande respeito e a maioria dos estabelecimentos comerciais está encerrada. Até as garrafas dos bares são tapadas com plástico e quase ninguém compra essas bebidas, até ao Domingo de Páscoa”.
Já em Inglaterra esses são dias normais e quase não se sabe que estamos na Semana Santa". Recordando com nostalgia os tempos passados lamenta o facto das crianças e jovens de hoje já não terem as mesmas brincadeiras como antigamente.

No tempo em que os cabritos invadiam o Mercado dos Lavradores

A gastronomia da Semana Santa e Páscoa também tem as suas tradições. Em toda as freguesias da Madeira, contudo, as ementas eram semelhantes: inhame, semilhas e peixe na Sexta-feira Santa, cabrito, ou galinha no Domingo de Páscoa. Alfredo Fernandes, natural do Funchal lembra-se com nitidez de uma das tradições próprias deste tempo, a da venda dos cabritos no exterior do Mercado dos Lavradores. "No sábado santo as ruas junto ao mercado ficavam cheias de gente que vinha, na maioria das vezes, comprar os cabritos que ali estavam à venda, vindo a pé do Curral das Freiras. Depois de regateado o preço, muitos eram abatido nas redondezas, esfolados e limpos de modo que era só levar para casa para os preparar ou rechear. E eram muitas as pessoas que ia às padarias assar os cabritos no forno", recorda.
Concordando com as actuais normas de higiene que não permitem a venda nem o abate de animais na via pública, sublinha que era uma tradição que fazia lembrar a Páscoa e que hoje caiu em desuso, deixando de se ouvir o balido dos cabritos e toda a azáfama que gerava em seu redor.

Associações recordam jogos tradicionais

Para que não se percam algumas das tradições que marcavam Quaresma e a Páscoa, na Madeira, duas colectividades regionais organizam nesta época do ano, actividades lúdicas.
Na Sexta-feira Santa a Casa do Povo da Camacha organizou os denominados “jogos da Quaresma” que decorreram no Largo da Achada naquela freguesia em que se recordaram os passatempos que mais se utilizavam antigamente durante este período.
Na freguesia dos Canhas, hoje, têm lugar os “jogos da Páscoa” que vão decorrer nas imediações da Urbanização Santa Teresinha, numa organização da Associação Cultural Pontassolense.
Para além da realização de diversos jogos como o pião, a bilhardeira, o lenço e outros, haverá animação musical, sendo de aguardar que tal como em anos anteriores o público marque positiva presença, naquela freguesia.
Com estas actividades aquelas associações de âmbito cultural querem manter vivas muitas actividades que entusiasmavam as gerações anteriores em tempo de Quaresma e a Páscoa e que continuam a cativar as crianças e os jovens.

Competição pascal por um doce saco de amêndoas

Também em desuso está o belamente o jogo que as crianças e os jovens jogavam no período da Quaresma.
Este é um jogo entre duas pessoas que, após combinada a hora do dia, saúdam com a palavra belamente!. É necessário esconder-se para apanhar desprevenido o adversário.
O primeiro que disser a palavra já referida ganha um ponto. Passado o tempo previsto para um jogo, que poderá ser de uma semana, ganha quem tiver dito belamente primeiro que o outro mais vezes acumulando um ponto por cada vez.
O jogo termina na Sexta-feira santa ou no Sábado Santo, conforme ao combinado. Quem perder tem que oferecer ao vencedor um pacote de amêndoas, ou outra guloseima, já anteriormente combinada.
Antigamente quando este jogo tinha muitos praticantes, faziam-se as mais diversas artimanhas para se conseguir alcançar pontos, desde o esconder-se durante largo espaço de tempo, nas imediações da residência do adversário, aguardando que este saísse de casa, até combinar com amigos para distraírem o outro concorrente de modo a podê-lo apanhar desprevenido.
Raramente havia problemas entre vencidos e vencedores, o que demonstra a sã convivência que existia.
Actualmente o belamente está recuperar aos poucos, incentivado pelos mais antigos às crianças que o consideram muito atractivo e se entusiasmam a jogá-lo com os seus colegas.
As amêndoas e os torrões de açúcar eram e continuam a ser um dos grandes atractivos da Páscoa. Nas antigas mercearias e pastelarias as montras enchiam-se destes produtos, como nos recordou Porfírio Ferreira, comerciante com muitos anos de actividade naquele sector.
“Quando se aproximava a Páscoa, os merceeiros abasteciam-se de amêndoas e torrões de açúcar adquiridas nas fábricas especializadas nessa matéria. Era um produto que tinha muita saída, especialmente por causa do jogo do belamente. Num tempo em que os escudos eram poucos, havia sempre alguns trocos para dar às crianças a fim de comprarem estes doces”, recorda, sublinhando que “na actualidade, os mais novos já têm tanta variedade de doçaria que não precisam de chegar à Páscoa para saborearem as amêndoas e os torrões de açúcar”.

Quando os tremoços se curtiam nas ribeiras

Um dos aperitivos mais comuns na Quaresma e na Páscoa eram os tremoços. Em tempos que já lá vão, em muitas ribeiras da nossa terra era frequente verem-se sacas cheias de tremoços colocadas nas respectivas margens de modo a que a água corrente as banhasse, permitindo assim o curtimento daquele produto. Passados alguns dias os tremoços estavam em condições de serem consumidos em casa ou vendidos.
João de Sousa era um dos muitos que comprava tremoços secos, colocando-os depois nas ribeiras para curtir. “Nesse tempo, porque havia muito mais respeito que agora, ninguém roubava as sacas de tremoços que estavam muitos dias nas ribeiras” recorda-nos, acentuando que “o gosto dos tremoços era muito saboroso, sendo óptimos para acompanhar um bom copinho de vinho seco”.


Jornal da Madeira

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